Dra. Vanete Santana-Dezmann
Passeando pela amplidão
do Rakete Museum, em Neuss, entre a análise minuciosa dos fios dourados de uma
tapeçaria japonesa ou da filigrana de um estojo de madeira, entre uma xícara de
café e a contemplação da chuva lá fora, Eckhard Ernst Kupfer, diretor do
Instituto Martius-Staden (São Paulo), em tom ameno e, por vezes, emocionado,
falou um pouco sobre seu livro de poemas recém-lançado “Sobre viver / Über
leben” (Editora Patuá, 2019).
Abaixo, você confere
suas confissões e um pouquinho do livro sob a perspectiva de sua interlocutora,
Vanete Santana-Dezmann.
Embora nem sempre este
poder redentor tenha se concretizado, conforme demonstram os exemplos de
Virginia Woolf, Florbela Espanca, Fernando Pessoa e tantos outros, o fato é que
ele funciona na maioria das vezes. Prova disso é a infinidade de escritores
mortos por morte natural, acidentes ou doenças.
Quando se acredita que
após nossa fugaz passagem por este mundo nada mais há, manter-se preso à vida,
a despeito das adversidades, é um desafio que a escrita, especialmente de
poesia – dado seu caráter subjetivo – ajuda a enfrentar. É disto que Eckhard
Ernst Kupfer fala na introdução a seu mais recente livro, seu primeiro de
poesia, “Sobre viver / Über leben”.
Filho de um soldado da Schutzstaffel (Tropa de Proteção"),
abreviada como SS, com quem teve pouco contato na infância devido às constantes
campanhas da II Guerra, Eckhard se tornou jornalista, estudou literatura e
filosofia, profissionalizou-se em comércio exterior e acabou por se radicar no
Brasil, onde vive há mais de quarenta anos e é diretor do Instituto
Martius-Staden, uma das mais sólidas instituições dedicadas ao intercâmbio
cultural entre o Brasil e a Alemanha, sediada em São Paulo, junto ao Colégio Visconde
de Porto Seguro.
“Sobre viver / Über
leben” traz poemas em versos livres – como a vida deve ser – sobre a tristeza,
a esperança e sua perda, mas termina otimista, falando de juventude, amor,
confiança e quebra de tabus e preconceitos.
No poema “Innerer Krieg
/ A guerra interior”, por exemplo, que integra a primeira parte do livro, encontramos
a inquietação diante da guerra, que marcaria o autor interna e externamente. O
poema se encerra com a paz inquietante:
Der
Krieg ist beendet / A guerra acabou
folgt
der unheimliche Frieden / segue-se a inquietante paz
in
dir / dentro de você
ein grausames Spiel / um jogo
cruel
Em “Diese Stadt / Esta
cidade”, poema inspirado por São Paulo e integrante da segunda parte,
transparece um pouco da desesperança diante de um país do futuro para o qual o
futuro nunca chega:
Diese
Stadt / Esta cidade...
Fände
sie toll / que eu acharia incrível
Wenn ich sie sehe / se a visse
na internet
Im Netz, in der TV / ou na tv
Aber nie aus der Nähe / mas
nunca de perto
O poema metalinguístico
“Vom Schreiben / Da escrita”, integrante da terceira parte, compara a leveza de
escrever em tempos pós-modernos, em uma nova língua – o Português – com o rigor
da escrita – e da educação – no pós-guerra alemão:
Vorbei die Angst ich zu
verschreiben / Passou o medo de errar
der PC korrigiert mich sofort / o PC me
corrige na hora
ich warte auf den Schlag / aguardo a cacetada
der nicht kommt / que não vem
nütze die Freiheit aus /
desfruto a liberdade
und spiele wie ein Pianist / de
tocar como um pianista
Finalmente, na última
parte, a coragem de tocar na ferida sempre pronta a verter sangue:
Er
war mein vater / Ele era meu pai
stand
plötzlich da / de repente estava ali
es
war Frühling / era primavera
ich
gerade sieben Jahr / eu tinha apenas sete anos
kannte
ihn nur von Fotos / só o conhecia de fotos
in Uniform, Soldatenkappe / em uniforme
e quepe militar
das
Hakenkreuz / a suástica
keine
Attrappe / nua e crua
wir
lernten uns kennen / só então nos conhecemos
A capa reproduz um
registro da videoinstalação das artistas Néle Azevedo e Vanessa Ramos-Velasquez
baseada em “O mito de Sísifo”, de Albert Camus, e exposta no Espaço Vitrine em
São Paulo em 2016.
Na mitologia grega,
Sísifo, um sábio, ao hegar ao reino dos mortos, o Hades, recebeu um castigo por
sua rebeldia: foi condenado, por toda a eternidade, a empurrar uma grande pedra
de mármore até o topo de uma montanha, porém, sempre que estava perto de
alcançar seu objetivo, a pedra rolava para trás até o ponto de partida. Por
isso, toda tarefa que envolve esforços inúteis é considerada um “Trabalho de
Sísifo”. É esta tarefa de Sísifo – encontrar sentido para a vida e esquecer o
passado – que Eckhard Ernst Kupfer se dedica, escrevendo poemas. Mais do que pela
coragem para se desnudar, seu livro é marcado pela coragem para viver.
Fica aqui um convite à superação dos obstáculos e experiências negativas, um convite à vida e – por que não? – à leitura de “Sobre viver / Über leben” e à escrita de suas dores e alegrias.
Vanete Santana-Dezmann é
professora, pesquisadora e tradutora. Juntamente com John Milton, é responsável
pelas Jornadas Monteiro Lobato USP-JGU. Tem pós-doutorado em Estudos da
Tradução pela Universidade de São Paulo, com estágio de pesquisa no
Goethe-Museum de Düsseldorf; doutorado em Teorias de Tradução pela Universidade
de Campinas e mestrado na mesma área, também pela Universidade de Campinas,
onde se graduou em Letras.
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