Staden, o “bom-europeu”, sua suposta história verídica
sobre o Brasil e alguns desdobramentos[1]
I. Se os leões fossem escultores
Entre os vários textos sobre a colônia
americana portuguesa produzidos no século XVI[2],
nenhum alcançou tanto sucesso quanto o livro de Hans Staden, Warhaftige
Historia. A série de
anotações de viagem feitas a posteriori
por Staden sobre parte das terras que viriam a constituir o Brasil e sobre o povo
que a habitava, publicada em 1557 em Marburg, Alemanha, acabou sendo uma das
primeiras obras impressas – e a mais conhecida – sobre essa parte do globo.
Assim, tornou-se responsável primordial pelo imaginário europeu formado a
respeito do futuro Brasil e de seu povo (autóctone)[3]. A
paisagem natural e humana foram descritas por ele de modo tal que forneceram
elementos para a mentalidade européia construir tanto o imaginário da
edenização do Novo Mundo quanto sua demonização, quando conveniente. Esse imaginário,
fundamental na construção da colônia portuguesa, teria sido o substrato da
posterior emergência do Brasil na história (cf. NOVAIS 1998, p. 93).
O sucesso da
obra de Staden se deveu a diferentes motivos. Além de ser uma narração bastante
descritiva, contém xilogravuras que destacam os momentos cruciais de suas
peripécias e reproduzem graficamente suas descrições de locais, bem como da
fauna e flora e objetos típicos dos índios encontrados na América Portuguesa[4].
Também há que se considerar a mensagem religiosa nela contida, pois esta
possibilitou que fosse utilizada como arma a favor do protestantismo ao
propalar os milagres que as orações de um luterano – Staden – teriam produzido.
Zinka Ziebell aponta, ainda, a linguagem popular em que o livro foi escrito e o
preço acessível (cf. ZIEBELL 2002, p. 235). Finalmente, concorre par tal
sucesso o interesse de outros reinos pela colônia – razão pela qual o rei de
Portugal proibiu em sua jurisdição publicações sobre sua colônia americana.
As narrações, descrições e comentários
de Staden compuseram capítulos curtos com longos títulos. Por exemplo, “Wie die
Wilden von Pernambuco aufständisch wurden und eine Niederlassung der
Portugiesen zerstören wollten” (Como os selvagens de Pernambuco se rebelaram e
quiseram destruir uma povoação dos portugueses) e “Wie wir von Pernambuco
ausfuhren, das Land der Potiguaras in Parahyba erreichten und auf ein
französisches Schiff trafen, mit dem wir uns schlugen” (Como partimos de
Pernambuco e alcançamos, em Paraíba, a terra dos Potiguaras, encontrando um
navio francês com o qual nos batemos)[5].
Outros capítulos foram acrescidos a estes, narrando seu retorno ao Brasil,
entre 1550 e 1555, e as peripécias por que passou, incluindo seu cativeiro de
nove meses entre os Tupinambá, sua fuga e retorno à Europa.
Staden era um jovem de vinte e poucos
anos quando resolveu conhecer as Índias Orientais – seria sua primeira viagem
ao exterior. Isto foi em 1547, durante o período áureo despertado pelas grandes
navegações e pela exploração do Novo Mundo. Suas aventuras, porém, tiveram
início antes mesmo de deixar o continente europeu, como faz questão de frisar
enquanto constrói para si uma identidade heróica. De Homberg, sua cidade natal,
na Alemanha, viajou para Bremen e de lá para Kampen, nos Países Baixos, de onde
embarcou em navio mercante com destino a Setúbal, em Portugal, seguindo para
Lisboa, onde pretendia se juntar à tripulação de algum navio que fosse para as
Índias Orientais. Como não restava nenhum, embarcou para a colônia portuguesa das
Índias Ocidentais.
Uma vez em alto-mar, tendo deixado para
trás os ataques a navios piratas, iniciou-se outro tipo de aventura. Staden
conheceu novas espécies de peixes, experimentou a elevação progressiva da
temperatura e suportou as tempestades, temendo a fome, pedindo a ajuda de Deus
e vendo no fogo de santelmo um sinal divino até que seu navio aportasse em
Pernambuco, proporcionando-lhe ensejo para mais algumas observações, publicadas
após sua segunda viagem à América Portuguesa pelo editor Andreas Kolbe sob o
título Warhaftige Historia vnd beschreibung einer Landtschafft der Wilden / Nacketen
/ Grimmigen Menschfresser-Leuthen / in der Newenwelt America gelegen / vor vnd
nach Christi geburt im Land zu Hessen vnbekant / bisz vff dise ij. nechstvergangene
jar / Da sie Hans Staden von Homberg ausz Hessen durch sein eygne erfarung
erkant / vnd jetzo durch den truck an tag gibt[6].
Além dos elementos já citados como possíveis responsáveis pelo sucesso da obra,
temos que acrescentar esse título, bastante sensacionalista.
Sua primeira publicação em português
data de 1892, na Revista Trimestral do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, editada no Rio de Janeiro por
Tristão de Alencar Araripe (cf. FRANCO 1974, p. 19 e FERRI 1974, p. IX), e levou
o título de Relação verídica e sucinta
dos usos e costumes dos tupinambás por Hans Staden. Desta edição, foram
excluídos o prólogo do médico Johann Eichmann (Dryander), a dedicatória e as
ilustrações. Apenas considerando o título e os elementos excluídos, já é
possível entender porque Ziebell a considera uma edição científica, voltada
para a descrição etnográfica (cf. ZIEBELL 2002, p. 246). A tradução se baseou
na versão francesa de Ternaux-Compans, publicada em Paris em 1837 e mereceu
crítica negativa de Francisco de Assis Carvalho Franco devido à ortografia de
Araripe, classificada como originalíssima; à referida inacessibilidade da Revista Trimestral do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro ao público leigo; aos erros ortográficos e à ausência
de notas explicativas (cf. FRANCO 1974, p. 23).
Assim, o livro de Staden só se tornaria
conhecido no Brasil a partir da tradução de Alberto Löfgren, intitulada Hans Staden. Suas viagens e cativeiro entre
os selvagens do Brasil, publicada em São Paulo, em 1900, pelo Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo e baseada na segunda edição em alemão,
também editada por Kolbe no mesmo ano da edição princeps. Segundo Ziebell, esta se centrou mais na figura de Staden
e em suas aventuras do que no caráter etnocêntrico de sua obra, sendo, por isso
mesmo, mais voltada para o grande público (cf. ZIEBELL 2002, p. 246),
justificando a crítica positiva de Franco, que elogia o uso de fonte confiável
e a reprodução das ilustrações (cf. FRANCO 1974, p. 23).
Além de terem sido traduzidas para o
francês, as aventuras de Staden podiam ser lidas em latim e holandês ainda no
século XVI e, posteriormente, em inglês – mas não em português[7].
Não é por acaso que a tradução para a língua portuguesa só será empreendida
após o momento em que o Brasil inicia o processo para se constituir como estado
independente de Portugal, ou seja, quando se pode vislumbrar uma pátria
brasileira. Tal momento foi marcado pelas manifestações nacionalistas dos
românticos, abolicionistas, defensores da independência e republicanos. Como a
estes e àqueles que os sucederam provavelmente não interessava resgatar a
imagem negativa que Staden apresenta de seu Brasil – uma terra de selvagens nus
e canibais –, temos como conseqüência uma tradução marcada pelo emprego de
expressões e construções rebuscadas e pela ausência de qualquer nota que
esclareça os termos em tupi e outros que não se encaixavam à realidade local
presentes no texto em alemão[8].
Na tradução editada por Karl Fouquet em
1941 para a Sociedade Hans Staden de São Paulo, baseada no texto da edição princeps, ao contrário, encontram-se
várias notas que objetivam desfazer equívocos presentes no texto de Staden. Por
exemplo, ao fim do capítulo 32 da Segunda Parte, “Land und Leute” (“A Terra e seus
habitantes”), aparecem três termos que levam o leitor a crer que na América
Portuguesa havia tigres (Tiger), leopardos (Leoparden) e leões (Löwenart)[9]. A
tradução mantém tais termos, porém é acompanhada pela seguinte nota: “É sabido
que no Brasil não existe tigre, nem leopardo e muito menos leão. O tigre seria
a onça pintada ou ‘jaguar’. O leopardo seria a onça parda ou ‘suaçu-arana’.
Sobre esta e outras espécies dos nossos felinos consulte-se a obra citada de
Couto de Magalhães, págs. 264-277.” (STADEN, 1941b,
p. 192). Neste caso, fica patente a preocupação de não apenas apresentar uma
tradução para o texto, mas também para a visão de quem não conhecia aqueles
animais e que não encontrou para nomeá-los senão termos oriundos da fauna de
outros locais por ele conhecidos.
Finalmente, já dentro de um contexto e
projeto nacionalistas, temos a autodenominada ordenação literária de Monteiro
Lobato, publicada em 1925[10],
embora apenas da Primeira Parte, levando-nos a questionar por que não se
dedicou à Segunda. Uma resposta possível seria o desinteresse em continuar
reproduzindo a ideologia de Staden e passar a apresentar a sua própria, que se
manifestaria explicitamente em sua reescritura das aventuras de Staden para a
literatura infantil publicada em 1927 – Aventuras
de Hans Staden: o homem que naufragou nas costas do Brasil em 1549 e esteve
oito meses prisioneiro dos índios tupinambás narradas por dona Benta aos seus
netos Narizinho e Pedrinho e redigidas por Monteiro Lobato. Porém, mesmo na
ordenação literária, Lobato não deixa de exprimir sua tendência ideológica,
pois as modificações que efetuou sobre o texto de Staden foram acompanhadas por
escolhas que sobrepujaram as que seriam oferecidas caso se tentasse efetuar o
mínimo possível de alterações.
Partindo
da hipótese de que Lobato se baseou na tradução de Löfgren para fazer sua
ordenação literária[11],
encontramos várias diferenças, sendo a mais relevante delas talvez o
silenciamento de Lobato com relação à alusão a Deus, presente tanto na edição princeps quanto na tradução de Löfgren,
conforme se pode observar comparando os excertos destacados abaixo:
Eu, Hans
Staden, natural de Homberg, pequena cidade do Estado de Hessen, na Alemanha, em
certo momento da minha vida deliberei conhecer as Índias tão famosas.
Contei a
Luhr a minha vida e a aventura que me levava, indagando se havia prestes a
largar alguma expedição para as Índias. Respondeu-me que eu tinha chegado
tarde, pois já eram partidos os navios d’El-rei que navegavam para as Índias.
(STADEN, 1926, ordenação literária de Lobato)
Eu, Hans
Staden, de Homberg, em Hessen, resolvi, caso Deus quisesse, visitar a Índia.
Contei-lhe que tinha saído da minha pátria e perguntei quando esperava que
houvesse expedição para a Índia. Disse-me que eu tinha demorado demais e que os
navios d’El-rei, que navegavam para a Índia, já tinham saído. (STADEN, 1930,
tradução de Löfgren)
Escrito e publicado no contexto da
Reforma, o livro de Staden aparece, em certa medida, como uma obra de exaltação
ao Deus ocidental cultuado pelos luteranos. É a este Deus, inclusive, que ele
credita sua sobrevivência ao cativeiro e libertação, apresentando-as como
milagres.
Em sua ordenação literária, Lobato se
limita a suprimir a referência a Deus, silenciando, assim, o caráter religioso
de Staden, desvinculando-o de seu contexto histórico. Em sua versão infantil
das aventuras de Staden, porém, irá estabelecer contraponto entre o Deus
europeu e os Deuses dos Tupinambá no interior da discussão que tece em torno
das diferenças culturais, chegando a ridicularizar Staden ao retratá-lo como
fundamentalista[12].
Comparando a edição princeps e a ordenação literária de Lobato, também encontramos
diferenças significativas. Tomamos
como exemplo o excerto que se segue:
Der Kapitän dieses Schiffes, der Penteado hiess, wollte
als Kauffahrer nach Brasilien segeln, besass aber ausserdem die Erlaubnis,
Schiffe anzugreifen, die in der Berberei mit den Mauren handelten. Auch
französische Schiffe, die in Brasilien mit den Wilden Handel trieben, durfte er
erbeuten. Schliesslich sollte er für den König einige Gefangene nach Brasilien
mitnehmen, die nach ihrer Verurteilung begnadigt worden waren, weil man sie in
dem neuen Land ansiedeln wollte. (STADEN
1941a, p. 20)
O capitão desse barco
chamava-se Penteado e ia para o Brasil em viagem de comércio, embora com ordem
de atacar os navios que traficavam com os mouros da Berbéria. Também tinha
ordem de apresar os navios franceses que encontrasse nas costas do Brasil em
contato com os índios, deixando em terra, como castigo, os tripulantes portugueses
que por acaso descobrisse a bordo. (LOBATO 1998)
Dele, destacamos os termos “Wilden” e
“índios”. Neste caso, Wilden
(selvagens, bravos, ferozes), utilizado por Staden, é carregado de conotações
negativas, enquanto índios, o termo
escolhido por Lobato, é mais neutro. Sua recusa em usar o termo selvagens já aponta para a atitude
nacionalista, que irá defender posteriormente em sua adaptação da história de
Staden para crianças.
No mesmo excerto, percebemos que,
segundo a versão de Staden, o capitão seria incumbido pelo próprio Rei de
Portugal de transportar presos (Gefangene)
para a colônia, que serviriam para povoá-la. Também isto é silenciado por
Lobato, talvez em uma tentativa de apagar da história a informação de que a
América Portuguesa foi povoada por criminosos degredados de Portugal:
Ainda estava por sair o estudo de
Gilberto Freyre publicado em 1933 em que os aspectos negativos que a presença
de criminosos entre os eleitos ancestrais brasileiros poderia implicar são
amenizados pela ressalva de que não era preciso ser realmente mau-elemento para
ser considerado criminoso em Portugal e degredado para a colônia. De fato,
segundo Freyre, não haveria fundamentos nem razões para se duvidar de que entre
os degredados havia muitas pessoas de boa índole, condenadas por critérios ora
ridículos, ora severos ao extremo, sobretudo quando se tratava de punir delitos
de ordem religiosa, apontados como desobediências às leis católicas (cf. FREYRE
1963, p. 84). Se já se dispusesse deste estudo, Lobato não precisaria ter tido
o cuidado de ocultar esse episódio.
Além da tarefa de transportar
degredados, Staden acrescenta a de prender navios franceses que fossem
encontrados comercializando com os índios, sem qualquer referência ao destino
de seus tripulantes. Na versão de Lobato, também os portugueses que fossem
encontrados em seu interior deveriam ser deixados na colônia como uma espécie
de castigo. Talvez, com isso, Lobato quisesse causar a impressão de que os
degredados trazidos para povoar a colônia fossem apenas traidores da Coroa –
portugueses que prestavam serviço aos franceses no saque à colônia, não
degenerados de fato.
Outra diferença entre a versão de Staden
e a de Lobato é que, enquanto aquele se refere explicitamente ao objetivo de
povoar a nova terra[13]
com os criminosos, Lobato diz apenas que os tais tripulantes portugueses (termo destituído de acepção negativa)
deveriam ser deixados em terra (também
este destituído de acepção negativa), como castigo, sem qualquer referência a
povoamento – mais uma vez, amenizando o suposto caráter criminoso dos
ancestrais dos brasileiros.
Ao contrário do trabalho por ele
efetuado na ordenação literária, em que sua posição parecia ainda indefinida, a
reescritura da história de Staden para o público infantil – classificada pelo
próprio Lobato como adaptação, o que lhe confere mais liberdade de ação –, Aventuras de Hans Staden revela
alterações indeléveis e constantes, uma vez que Lobato a encaixa em outro
contexto, de que se serve para explicitar uma ideologia agora bem definida.
Assim, três séculos após o início da colonização, entre as várias histórias que
conta a seus netos, Dona Benta inclui as aventuras de um jovem alemão que, em
meados do século XVI, naufragou no litoral do Novo Mundo e se tornou
prisioneiro dos Tupinambás durante aproximadamente nove meses. Porém não só a
voz de Dona Benta, mas também a de outras personagens, prestam-se à expressão
das concepções de Lobato sobre o processo de colonização e o eurocentrismo.
Neste ponto, também nos limitaremos a apenas alguns exemplos, dentre os vários
que encontramos.
Iniciando pelo episódio que narra como a
colônia Iguaraçu foi retomada dos nativos, em que se sobressai a valentia dos
portugueses – 90 portugueses auxiliados por aproximadamente 30 escravos, contra
oito mil índios –, Dona Benta ressalta o termo avaliados e acrescenta, com a leve ironia que perpassa toda a
narração: “As avaliações dos interessados em geral erram para mais. O Compadre
Teodorico nosso vizinho, sempre avaliou o seu sítio em setenta alqueires. Veio o
agrimensor, mediu e achou trinta...” (LOBATO 1998, p. 10).
Em outro momento, terminada a primeira
viagem de Staden, continua, porém, a conversa entre as personagens de Lobato,
que discutem sobre a exploração econômica do Brasil por Portugal. A conclusão apresentada
por Dona Benta segue sua tendência de ressaltar aspectos negativos do europeu,
sobretudo, do português:
Não basta ganhar, é preciso
conservar, coisa muito mais difícil. Todo o ouro que Portugal tirou do Brasil
foi se passando aos poucos para os países industriosos, sobretudo para a
Inglaterra, em troca dos produtos das suas fábricas. Quando os portugueses abriram os olhos, era tarde – o ouro do Brasil
estava todo em mão de gente mais esperta” (LOBATO 1998, p. 13, grifo
nosso).
Quanto à identidade heróica construída
pelos europeus para si próprios, como se pode notar em Warhaftige Historia, ela continua: “A história é escrita por eles.
Um pirata quando escreve a sua vida está claro que se embeleza de maneira a dar
a impressão de que é um magnânimo herói.” E ironiza: “À entrada de uma certa
cidade erguia-se um grupo de mármore, que representava um homem vencendo na
luta ao leão. Passa um leão, contempla aquilo e diz: Muito diferente seria essa
estátua se os leões fossem escultores!” (LOBATO 1998, p. 27).
Finalmente, quanto às torturas sofridas
por Staden, D. Benta ressalta:
Não há termo de comparação
entre o modo pelo qual os índios tratavam os prisioneiros e o que era de uso na
Europa. Lá a ‘civilização’ recorria a todos os suplícios, inventava as mais
horrendas torturas. Assavam os pés da vítima, arrancavam-lhes as unhas,
esmagavam-lhe os ossos, davam-lhe a beber chumbo derretido, queimavam-na viva
em fogueira. Não há monstruosidade que
em nome da lei de Deus os carrascos civilizados, em nome e por ordem dos papas
e dos reis, não tenham praticado. Mesmo aqui na América o que sobretudo os
espanhóis fizeram é de arrepiar as carnes. Os índios, não. Brincavam com as
vítimas apenas. (LOBATO 1998, p. 30, grifo nosso)
Como se pode inferir, Aventuras de Hans Staden se encaixaria
em um projeto de construção de brasilidade que se presta [rdomschke2] a objetivos bem definidos, entre os quais,
educar as crianças de tal forma que pudessem conhecer e se orgulhar de seu
país, sem, no entanto, tornarem-se ufanistas.
Da preocupação de Lobato com a formação
dos futuros cidadãos brasileiros, vem seu interesse em recontar as histórias de
além-mar, desmascarando a ideologia do dominador nelas contida e lhe sobrepondo
uma ideologia de caráter nacionalista. Portanto, o tipo de canibalismo que
Lobato pratica ao se utilizar da obra de Staden para, a partir de seu interior,
tecer críticas à ideologia eurocêntrica e expor a sua própria torna Aventuras de Hans Staden uma obra
exemplar do gênero que só viria a ser produzido no fim do século XX pelos
escritores pós-coloniais – pois nela Lobato se apropria da produção do
colonizador para dar voz ao colonizado, apresentando-o não mais como um
selvagem nu, e desconstrói o estereótipo eurocêntrico do “bom-europeu”.
Dentro de seu projeto de construção de
brasilidade, também interessava a Lobato selecionar obras mais abrangentes em
termos culturais, disponibilizando às crianças brasileiras – e adultos – grande
parte do cânon da literatura universal. Neste ponto, sua tática se aproxima da
de Johann Wolfgang von Goethe, que reconhecia na presença do elemento
estrangeiro os fundamentos da nascente cultura oficial alemã:
Independentemente
de nossa produção, nós já atingimos um elevado patamar cultural (Bildung)
graças à completa apropriação do que nos é estrangeiro. Logo outras nações
terão que aprender alemão, pois perceberão que desse modo podem conservar em
grande quantidade o aprendizado de quase todas as outras línguas. De fato, de
quais línguas não temos nós os melhores trabalhos nas mais eminentes traduções?
Já faz muito tempo que os alemães contribuem para a mútua mediação e
reconhecimento.
Quem entende
alemão se encontra no mercado onde as nações apresentam seus produtos. A força
de uma língua está não em rejeitar o estrangeiro, mas em o devorar. (Apud
BERMAN [rdomschke3] 1992, p. 11-12)
“Devorar o estrangeiro” é coisa que os escritores brasileiros –
principalmente os contemporâneos de Lobato – sabem fazer bem. Não apenas os
modernistas, como Oswald de Andrade e seu “Tupi or not tupi”, mas até Lobato,
que entraria para a história como anti-modernista devido à crítica à exposição
de Anita Malfatti, como um leão, predou Staden e se pôs a esculpir estátuas por
conta própria.
II. Staden – o bom-europeu
Após perder os navios para as Índias
Orientais, Staden embarcou como artilheiro no navio do Capitão Penteado –
simultaneamente navio mercante e bélico –, partindo de Lisboa em junho de 1548.
O navio foi
abastecido na Ilha da Madeira e depois se dirigiu ao Marrocos. Lá capturou um
navio mercante mouro e retornou à Madeira para deixar as mercadorias
apreendidas. Depois rumou para Olinda, onde entregou alguns prisioneiros e
mercadorias para abastecer os colonos. Como, no momento em que chegou, os
caetés haviam sitiado Igaraçu[14], alguns
homens do Capitão Penteado foram requisitados para lutar ao lado dos
portugueses do povoado, entre os quais, Staden. Quando o cerco chegou ao fim, o
capitão e sua tripulação seguiram para a Paraíba, onde atacaram um navio
francês que estava sendo carregado com pau-brasil. Em seguida, retornaram para
Portugal, chegando em Lisboa em outubro de 1549.
A segunda viagem
começou em Sanlúcar de Barrameda, na Espanha, em 10 de abril de 1550, quando
Staden se engajou na Expedição Sanábria, organizada pelo lugar-tenente Don
Diogo de Sanábria, integrada por três navios. Parte da expedição se destinava a
Santa Catarina, que, de acordo com o Tratado de Tordesilhas[15],
pertencia à Espanha, e outra parte seguiria para o Rio da Prata, também em
terras espanholas.
No final de 1550, o navio em que Staden
se encontrava chegou a Santa Catarina, mas o segundo navio só aportou algumas
semanas depois, bastante avariado, e o terceiro já havia se perdido em
alto-mar. Após quase um ano vivendo naquela região, os exploradores foram para
Viaçá[16].
Uma vez em terra firme, este navio também se danificou. Então a expedição
resolveu se dividir em dois grupos, sendo que um iria por terra até Assunção e
outro iria por mar até São Vicente, onde esperava conseguir embarcação
apropriada para seguir viagem para o Rio da Prata. Construíram um pequeno navio
e nele embarcaram, partindo em 1552. Staden fazia parte deste segundo grupo e
foi a bordo do navio improvisado que se aproximou do povoado de Itanhaém, três
dias após o início da viagem. Uma tempestade, porém, levou o navio a naufragar
e, assim, Staden e os demais tiveram que alcançar a terra a nado.
Quando as autoridades de São Vicente
souberam do naufrágio, enviaram um navio para resgatar os sobreviventes, entre
os quais Staden. Posteriormente, ele foi para Bertioga e acabou sendo empregado
como artilheiro do Forte de São Felipe, que ficava na Ilha de Santo Amaro.
Segundo afirma, ninguém se arriscava a trabalhar lá, pois todos temiam os
constantes ataques dos Tupinambás (cf. STADEN 1941, p. 61-66) – donde
presumimos que ele fosse muito corajoso, pois contava com o auxílio de apenas
um Carijó e dois portugueses e, mesmo assim, passaram-se meses até que fosse
capturado (provavelmente no fim de 1553 ou início de 1554). Debalde os
portugueses e seus aliados, os Tupiniquins, tentaram resgatá-lo. Fora levado
para Ubatuba.
De acordo com sua própria narração,
Staden se passara por francês para não ser tratado como inimigo pelos
Tupinambás, que, lembremo-nos, eram aliados dos franceses. Isto o manteve fora
de perigo por algum tempo. A chegada de uma pequena expedição de resgate, junto
à qual se achavam alguns de seus companheiros de naufrágio, contribuiu para a
manutenção da farsa – como um deles era francês, Staden inventou que eram
irmãos e disse aos Tupinambás que pediria a seu irmão que, tão logo fosse à
França, conseguisse um bom resgate e retornasse para buscá-lo. Sob essa
condição, os Tupinambás concordaram em mantê-lo vivo.
Staden foi poupado, portanto, não graças
à sua coragem e à intervenção direta do Deus dos luteranos, mas, antes, graças
à sua capacidade de mentir – exemplificada pelo caso acima – e à sua covardia,
pois, ainda segundo sua narração, chorava diante de qualquer ameaça.
Seu falso irmão francês jamais retornou
e, com suas demonstrações de covardia enquanto vivia entre os Tupinambás,
Staden teve seu valor depreciado pelos índios, que provavelmente já não se
dispunham a se alimentar com uma carne, segundo as crenças indígenas,
impregnada com características morais indesejáveis.
A despeito disso, não faltaram
enaltecimentos às supostas religiosidade e ousadia, atribuída mais à coragem –
que não tinha – que à ignorância. O brasileiro Manuel de Abreu Campanário, por
exemplo, não lhe poupa elogios, afirmando que o sucesso de seu livro se deveria
à sua habilidade de escritor, a despeito de seus dotes como lansquenê, marujo,
arcabuzeiro, lobo-do-mar, artilheiro, condestável de forte, enfim,
pau-para-toda-obra. Mas teria dependido, sobretudo, de sua religiosidade e fé
inabaláveis, inteligência, ausência de preconceitos, autodomínio e maturidade
de espírito, apresentando personalidade admirável e atraente. Elogia também sua
imparcialidade, objetividade, precisão e concisão ao narrar seus infortúnios
(cf. CAMPANÁRIO 1980, p. 142-143).
Não questionamos sua
suposição de que o fato de o narrador ser personagem principal tenha
contribuído para que a Warhaftige
Historia alcançasse sucesso, porém até hoje não foi possível saber quem
realmente a escreveu, se o próprio Staden, ou se o médico Dryander. Mesmo
Campanário não nega a influência do médico sobre a narração de Staden:
Depois de redigido passou
pelo crivo intelectual do sábio Dr. Johannes Dryander. É natural que tenha sido
escoimado de qualquer assunto que desse a impressão de auto-elogio, narcisismo
e presunção, por parte do autor. O cronista é sumário, modesto e humilde.
Propositalmente deve ter omitido muitos fatos e acontecimentos. (Ibid., p.
159).
A julgar por esta declaração, qualquer
qualidade atribuída ao Staden-narrador, incluindo sua modéstia, humildade, fulgor da inteligência, ausência de preconceitos, autodomínio e completa maturidade de espírito – termos usados por Campanário –
recairia sobre Dryander.
O apelo à religiosidade, que tornaria
seu livro um dos expoentes da exaltação da fé luterana, pode, sim, ter
contribuído para seu sucesso, porém isto não basta para lhe atribuir o valor
literário que a referência de Campanário à “habilidade de escritor” nos leva a
supor. Ao apelar para a religiosidade, o mérito que o livro de Staden conseguiu
foi o de se beneficiar do contexto histórico marcado pela Reforma Protestante e
Contra-Reforma ao se prestar como arma àquela.
Quanto à objetividade a que Campanário
se refere, esta se limita simplesmente ao fato de que Staden não recheou seu
livro com histórias fantásticas sobre monstros e animais inexistentes, como
teriam feito Antonio Pigafetta[17], André
Thévet[18] e
Frei Vicente do Salvador[19]. Graças
à luta entre o bem e o mal – o Deus luterano e os Deuses dos Tupinambás –,
criada por Staden, podemos dizer que já havia elementos fantásticos em
quantidade suficiente em Warhaftige
Historia. O livro não precisava de outros, que, ademais, só serviriam para
banalizar o sagrado, fazendo com que o Deus dos luteranos descesse ao nível de
dúbios monstros marinhos.
Finalmente, considerando as qualidades
atribuídas por Campanário ao narrador, há que se observar que a ausência de
preconceito não se registra em momento algum do livro. Do começo ao fim, o
narrador trata sua cultura – principalmente religião e hábitos – como superior
à dos índios. Isto porque, como observa Ziebell, a cultura eurocêntrica ocupa o
primeiro plano, cabendo aos índios e sua cultura apenas a figuração:
A partir do momento em que a
inserção da estrutura descritiva convencionalizada nos relatos faz parte da
necessidade de uso de recursos autenticatórios, o referente – Brasil – passa a
um segundo plano e o que resta são histórias de europeus em cenários
estereotipados, escritas para europeus, exibindo semelhanças com as tradições
nacionais a que pertencem. (cf. ZIEBELL 2002, p. 292)
O próprio Campanário também não pode ser
elogiado pela ausência de preconceito em sua análise, pois, citando apenas dois
exemplos, ele constantemente se refere aos índios como selvagens ou como
silvícolas, enquanto o branco é tratado como civilizado (cf. CAMPANÁRIO 1980,
p. 73-74), e o espírito místico dos índios não lhes garante elogio algum,
antes, é relacionado a um suposto retardamento intelectual e cultural, porém,
quando é Staden quem apresenta espírito místico, é exaltado: “Staden era um
crente fervoroso da doutrina cristã. Tinha fé religiosa inabalável. Era
luterano. Através do seu livro, do começo ao fim, transparece o seu espírito
profundamente místico e religioso” (ibid., p. 154).
Além dos elogios acima, a favor dos
quais se percebe uma tentativa de argumentação, no restante, o livro de
Campanário é recheado com juízos de valor – sempre positivos em relação a
Staden – sem qualquer fundamentação, como o que se segue:
Como cronista, Hans Staden
deve ser mantido historicamente como um padrão de imensa envergadura moral e
humana. Soldado, em defesa dos interesses do Brasil colonial, deverá ele ser
apontado sempre, eternamente, como um símbolo magnífico. (Ibid., p. 150).
Como se pode apontar um viajante ora
engajado na defesa dos interesses da Coroa Portuguesa, ora da Coroa Espanhola
como defensor dos interesses do Brasil, em um momento em que mal surgira uma
colônia portuguesa na América? Como bem lembra Ziebell, o descomprometimento
parece ser característico de Staden, que, inescrupulosamente, presta serviço a
espanhóis e a portugueses (cf. ZIEBELL, 2002, p. 240).
No mais, encontram-se em seu livro
especulações como: “Não há dúvida de que Staden, muito inteligente e perspicaz,
além de evitar a própria morte, tenha evitado, também, a morte da esposa e do
filho.” (CAMPANÁRIO 1980, p. 156-157) De onde vieram este filho e esta esposa
de Staden para os quais não há qualquer referência em livro algum? Da simples
especulação de Campanário em torno da vida íntima de Staden no interior da
tribo. Seu raciocínio teria sido o de que, pelo tempo em que esteve entre os
Tupinambás, poderia ter sido pai, uma vez que era comum aos indígenas oferecer
mulher ao prisioneiro para sacrificar os filhos que por ventura tivessem e a
mãe também, se esta obstasse o sacrifício. Dado seu interesse desmedido em
assegurar o caráter heróico de Staden, Campanário chega à afirmação categórica
de que seu herói salvou não apenas a própria vida como também à de uma suposta
esposa e filho.
Da mesma forma, porém sem destaque para
o caráter pessoal, o alemão Helmut Andrä também não poupa elogios a Staden,
ressaltando o interesse de leitores de variadas índoles por sua obra e sua
utilidade, em todos os tempos, para especialistas de diversas áreas:
Staden não foi apenas lido
por jovens sequiosos de histórias de aventuras, nem constituiu apenas a leitura
de burgueses bonachões que, para sentirem agradáveis arrepios, mergulhassem nos
excitantes acontecimentos narrados pelo artilheiro de Bertioga, de vez que o
relato deste passou a constituir objeto de estudos aprofundados por parte de
cientistas sóbrios, tanto de etnólogos e etnógrafos, de botânicos e zoólogos,
de geógrafos e cartógrafos, como ainda de historiadores e de filólogos. (ANDRÄ
1960, p. 290)
Nas palavras de Andrä, a relevância da
história de Staden sai do campo literário para assumir o caráter que até hoje
incautamente se lhe atribui – principal fonte etnográfica sobre as terras da
América do Sul –, passando a ter contornos científicos:
Admirado por etnólogos e
etnógrafos, sem haver sido viajante explorador ou cientista; apreciado por
geógrafos, botânicos e zoólogos, sem jamais haver gozado de instrução escolar
superior; consultado por historiadores e cartógrafos, sem que tivesse estado
familiarizado com os seus respectivos domínios do saber; lido, com entusiasmo,
por jovens e velhos, sem haver pertencido a qualquer linhagem de escritores
profissionais. (Ibid., p. 289-291)
No campo estilístico, o elogio de Andrä
se soma ao de Campanário ao destacar a ausência de acessórios bombásticos e fantásticos, ou seja, as descrições de
monstros inexistentes, bem como o esforço em manter a objetividade também na
linguagem:
A descrição era simples,
despida de quaisquer acessórios bombásticos e fantásticos, como, aliás, era do
feitio dos narradores de viagens daquela era. Pelo contrário, percebia-se, em
cada sentença, esforço no sentido da exatidão, da realidade, da fidelidade, do
desejo de aproximar dos olhos do leitor, o quanto mais objetivamente possível,
o que o autor havia visto e experimentado, sem se referir, contudo, à própria
pessoa, a não ser que isso se tornava absolutamente indispensável. (Ibid., 295)
Para corroborar suas observações, Andrä
cita, ainda, outros críticos que o antecederam nos elogios ao alemão de Hessen.
Oberacker, por exemplo, teria dito que a história de Staden, além de antiga, é
o mais seguro relato sobre a cultura dos primitivos do Brasil, isento dos
exageros com que viajantes aventureiros rechearam seus relatos. Sobre Staden,
teria enaltecido seu caráter de corajoso desbravador científico, historiador e
etnólogo por vocação, além de conhecedor da fauna e flora locais (cf. OBERACKER
apud ANDRÄ 1960, p. 292).
Quanto ao livro de Staden em português,
Andrä a ele se refere como documentário suficientemente forte para fazer com
que os brasileiros finalmente reconhecessem sua contribuição para os registros
históricos sobre o Brasil. Dado o valor científico que atribui à obra de
Staden, Andrä tenta nos convencer de que a imagem do rude aventureiro
desaparece diante do resultado de seu trabalho, dando lugar a um homem de
espírito elevado, dedicado a registrar exclusivamente a verdade. Seus
registros, porém, serviram para que se criasse um imaginário bastante irreal
sobre o Brasil, de onde advêm preconceitos e estereótipos até hoje atribuídos a
um país e a um povo que sequer existiam na época em que tais relatos foram
escritos. Por exemplo, a idéia de que o brasileiro é preguiçoso teria se
originado a partir da constatação, por parte dos colonizadores, de que os
índios se recusavam a se submeter à escravidão. Quanto à antropofagia, foram
necessários séculos até que surgissem antropólogos, como o belga Claude
Lévi-Strauss, que desfizessem o mito de que esta fosse uma prática comum
objetivando a alimentação de tribos indígenas, como os relatos de Staden permitiram
crer, atribuindo-lhe seu lugar factual nas sociedades antropófagas – um ritual
religioso.
Assim, enquanto os índios da América
Portuguesa e, posteriormente, os brasileiros têm sido estigmatizados como
preguiçosos não-civilizados, o aventureiro Staden tem sido lembrado ao longo
dos séculos como um herói que sobreviveu ao cativeiro entre os selvagens nus e
canibais e como autoridade sobre o Brasil, sem que se atente para o fato de
que, dependendo do ângulo de observação, ele não apenas não foi um herói, como
também não representava uma civilização menos selvagem que a dos índios que
retratou. Além disso, não poderia ter se constituído em autoridade sobre o
Brasil, porquanto em 1547 não existia qualquer país a que se pudesse chamar
Brasil, nem uma nação brasileira ou um estado brasileiro, conforme já
apontamos.
III. Aí vem a nossa comida! – Staden, mártir renascentista
Robert Avé-Lallemant foi mais um alemão
que seguiu os passos de Staden. Nascido em Lübeck em 25 de julho de 1812,
chegou ao Brasil pela primeira vez em 1836, quando contava 24 anos e acabara de
concluir seus estudos de medicina. Ainda recém-chegado, iniciou estágio na
Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro; no ano seguinte, abriu um
sanatório para tratar de doentes contaminados por febre amarela e se tornou
Secretário Municipal da Saúde. Em 1855, retornou a seu país natal – sua esposa,
também alemã, não se acostumava com o clima tropical.
Em 1857, viúvo, retornou ao Brasil e entre
1857 e 1858 percorreu o território pertencente ao Brasil à época de norte a
sul, escrevendo sobre as regiões por onde passava. De volta a Lübeck,
estabeleceu seu consultório e editou seus relatos de viagem. Em 1871, publicou Hans Staden von Homberg bei den
brasilianischen Wilden oder die Macht des Glaubens und Betens (Hans Staden,
de Homberg, com os selvagens brasileiros ou o poder da fé e da oração[20])
– adaptação do livro de Staden[21].
Dentre suas obras, Reise durch Süd-Brasilien im
Jahre 1858 (1859); Reise durch Nord-Brasilien im Jahre 1859 (1860);
Meine Reise in Egypten und Unter-Italien
(1875); Das Leben des Dr. med. Joachim Jungius 1587-1657 (1882);
“Alexander von Humboldt. Sein Aufenthalt in Paris (1808-1826)” (1872) –
capítulo inserido no livro organizado por Karl Bruhns sobre Humboldt –, a mais
rara é a referida adaptação.
Seu interesse pela história de Staden provavelmente começou
com sua viagem ao Brasil, mas também é possível que tenha lido o livro antes e
que se decidira a embarcar para a ex-colônia portuguesa graças à leitura das
aventuras do jovem conterrâneo ou simplesmente levado pelos mesmos motivos que
outros tantos imigrantes alemães à época, entre os quais se inclui seu próprio
irmão, Theodor Friedrich Avé-Lallemant, músico e pastor.
A época em que Avé-Lallemant viveu no Brasil foi uma das
mais efervescentes – foi justamente o período entre a independência política e
a adoção do regime republicano. Quase tudo ainda estava por ser estabelecido –
a língua, o cânon literário nacional, as fronteiras geográficas atuais, o
regime político –, enquanto a insipiente intelligentsia
brasileira se debatia em busca da identidade nacional e a recém-constituída
elite reclamava, insatisfeita, mais poder.
No mesmo período, na Alemanha, após a
desintegração do Sacro Império Romano de Nação Germânica (1806) e as guerras
civis entre territórios germânicos inspiradas pelas idéias liberais vindas da
França, a liberdade política fora restringida. Sem liberdade de expressão e subordinada
a péssimas condições de trabalho – este foi também o período de
industrialização da Alemanha, que implicou mais sacrifício da classe operária
–, a opção que se apresentava a muitos era a imigração, por isto tantos alemães
embarcaram também para o Brasil.
Após a restituição da liberdade de
expressão (1850) e o fortalecimento da burguesia – também conseqüência da
industrialização –, quando a situação parecia se acomodar com a Prússia no
comando dos territórios germânicos e quando Avé-Lallemant já havia retornado a
seu país, todos são arrastados a uma nova guerra contra a França, ao fim da
qual a Alemanha tem apenas uma vitória, mas bastante significativa: a
unificação da maioria dos territórios em torno do II Reich.
Como a Guerra Franco-Prussiana se estendeu
entre 1870 e 1871, seu fim e a unificação alemã coincidem com o ano da
publicação de Hans Staden von Homberg bei
den brasilianischen Wilden oder die Macht des Glaubens und Betens. Nesta
adaptação, o livro de Staden foi condensado em seis capítulos[22]
nos quais o protagonista é convertido em mártir do cristianismo ao ser
comparado às primeiras testemunhas de sangue (die ersten Blutzeugen)
(cf. AVÉ-LALLEMAN 1971, p. 102), ou seja, aos primeiros mártires cristãos.
No interior do livro, porém, ao narrar a chegada de Staden à tribo dos
Tupinambás, comparou-o ao próprio Jesus. Naquele momento, Staden se encontraria
profundamente desesperado, pois todos teriam se aproximado para vê-lo e o
obrigaram a gritar “Aqui estou chegando para ser comido por vós” (AVÉ-LALLEMAN
1971, p. 56). Segundo Avé-Lallemant, reproduzindo o que Staden contara em seu
livro, as mulheres pulavam ao seu redor, enquanto os homens lhe batiam, dizendo
o nome daqueles por quem ele apanhava. Após tudo o que sofrera, bastante ferido
e assustado, para completar, os índios que o capturaram lhe disseram que o
tinham presenteado ao tio para que este o comesse, se quisesse. É nesta
situação que Avé-Lallemant reproduz os pensamentos de Staden, que teria dito a
si mesmo: “Agora estão fazendo os preparativos para matar-te” (ibid., p. 57).
Seu consolo teria sido a lembrança do sofrimento de Jesus: “lembrei-me do
sofrimento do nosso redentor Jesus Cristo, como ele sofreu com os judeus
infames” (ibid., p. 58), ou seja, Staden é comparado a Jesus, enquanto aos
índios restara a posição dos “infames” judeus. Em meio à narração desses fatos,
talvez para dar maior credibilidade a suas palavras, Avé-Lallemant afirma que o
que aqueles índios fizeram foi uma demonstração de seus costumes selvagens,
conservados até a época em que ele próprio estivera no Brasil: “eles
apresentaram totalmente o quadro ou a imagem canibalesca de sua animalidade, na
qual até hoje em dia os botocudos e outras tribos brasileiras vivem, matando
com socos os seus inimigos, assando-os e os deglutindo mal-passados” (ibid., p.
56).
Também o título
escolhido por Avé-Lallemant para o capítulo no qual essa seqüência de ações é
narrada alude à sensação de tristeza e desespero que ele procura salientar em
seu Staden: “Aus tiefer Noth schrei ich zu dir” (Da profunda miséria, clamo a
ti), primeiro versículo do Salmo 130, conhecido como “De profundis”, reproduz a
lamentação de Davi pela morte de seu filho Absalão (cf. DAVI 1987, p. 676).
Apresentar um
Staden desesperado e desgraçado era importante porque, quanto pior fosse sua
situação, maior o crédito de seu Deus pelo socorro que lhe prestasse,
demonstrando, assim, o poder de suas orações. Por isso Avé-Lallemant ressalta
os perigos aos quais Staden esteve exposto, mesmo que, para tanto, precisasse
criar ou reafirmar narrações inverossímeis como a que se dá quando, logo após
ter sido capturado, Staden é objeto de uma disputa entre os índios de
diferentes tribos. Diante do impasse, um dos índios teria proposto que o
dividissem ali mesmo, para que cada qual tivesse sua parte – mesmo à época de
Avé-Lallemant, já se sabia que o ritual antropofágico durava vários meses e que
deveria chegar ao fim em época específica, sendo, pois, absurda a idéia de que
se pudesse retalhar Staden logo após sua captura. Porém, após esse fato, o
narrador pôde, então, apresentar Staden como um homem realmente desgraçado, ao
qual apenas a intervenção divina poderia salvar:
Assim
Staden era um homem perdido. Somente a intervenção imediata de Deus poderia
salvá-lo das garras dos canibais, os quais estavam exaltados, especialmente
contra os portugueses, que eram intrusos, ao passo que os piratas franceses,
sendo inimigos dos portugueses, lidavam com eles mais ou menos bem,
comercializavam e até viviam com eles, mas apenas para instigá-los contra os
portugueses. (AVÉ-LALLEMAN 1971, p. 51)
A insistência em
esclarecer que os Tupinambás eram inimigos dos portugueses e que os franceses
os incitavam contra os exploradores legais – segundo as leis criadas e
reconhecidas por europeus, obviamente – de suas terras também serve para
intensificar o perigo que Staden corria, pois, desde o princípio, os índios o
haviam tomado por português – não apenas devido à previsão de que capturariam
um português, mas também porque sabiam que Staden defendia um forte português.
Em momento
posterior, quando Staden já se encontrava acomodado para dormir, Avé-Lallemant,
como o próprio Staden, também emprega o discurso direto, mais apelativo, para
que a própria vítima expressasse seu desespero:
Como eu estava com um medo e angústia tão grande, eu
pensei numa das coisas que nunca tinha pensado antes. Ou seja, pensei no vale
de lágrimas em que nós aqui vivemos E comecei, com lágrimas nos olhos, a cantar
o Salmo “Da profunda miséria, clamo a ti etc”.
Aí
os selvagens disseram “olhem como ele está se lamentando”. (Ibid., p. 53-54)
Nesse episódio a
fé de Staden é mais uma vez demonstrada e ressaltada no apelo a seu Deus por
meio de uma oração musicada.
No dia seguinte,
novamente Staden irá se dirigir a Deus, desta vez, porém, a pedido dos índios,
que se assustavam com a aproximação de uma tempestade enquanto estavam no mar
e, segundo Staden, queriam testar a eficiência e autenticidade de seu Deus. Ele
teria orado, pedindo ao Deus protestante que os livrasse da tempestade e, assim,
provasse aos “pagãos selvagens” que estava ao seu lado – e fora atendido (cf.
ibid., p. 54-55).
A
transformação de Staden em testemunha de sangue do cristianismo e na própria
imagem de Cristo na Terra se deve ao contexto em que a adaptação de Avé-Lallemant
foi publicada e ao objetivo a que parece se destinar.
À Europa Renascentista – e à Reformista
também – tinha sido útil a construção de um imaginário sobre o Brasil, ou,
antes, de um Brasil imaginário, “demonizado” que resultasse na construção de
uma nova identidade para si própria. Ao criar o conceito de selvagem
antropófago – o caraíba, o canibal –, transportado para as terras onde o Brasil
se constituiria, o europeu pôde, por oposição, construir para si a imagem de
bom e civilizado, a despeito das barbáries praticadas pelo Império Romano, das
Cruzadas e da Inquisição – só para citar alguns exemplos. Processou-se, assim,
uma construção, como qualquer outra, performática, na medida em que as
identidades são criadas a partir de representações (cf. RAJAGOPALAN, mimeo).
Durante o século XIX, época em que
Goethe e demais políticos e homens de letras de sua época se esforçam para
construir a Deutschheit (germanidade), interessava à Alemanha unificada
– o II Reich – colocar em relevo a fé
protestante, uma vez que tinha sido o berço do protestantismo. Qual a maior
contribuição da Alemanha para o mundo ocidental senão a Reforma Protestante? A
esta Alemanha, recém-unificada, recém-constituída, interessava propalar a
importância da fé cristã reformada. Para tanto, era preciso lembrar os próprios
alemães de sua importância no plano mundial[23] –
na Europa vigora o nacionalismo romântico, ou seja, um nacionalismo que
constrói a superioridade da nação sobre as reminiscências de um passado heróico
resultante do imaginário coletivo. Justamente nesse tipo de nacionalismo teria
se baseado a defesa da superioridade racial das nações européias e a elevação
de sua auto-estima com base em mitos que as apresentavam como as mais avançadas
de todo o mundo (cf. ibid.).
Que
passado glorioso poderia despertar um saudosismo histórico capaz de levar
diferentes nações a se conglomerar em torno de uma única pátria senão uma
representação performática, uma construção artificial? Só por meio de um
imaginário coletivo – ou, para usar o termo de Timothy Brennan (1997),
comunidade imaginária –, seria possível criar um sentimento de comunidade entre
povos tão diversos (prussianos, saxões, bávaros etc.) que serviram de base para
a construção da nação alemã. Aliás, não é sem motivo que a unificação alemã se
inicia pela unificação (sempre relativa) lingüística, na época de Martinho
Lutero. Foi o espírito da linguagem que primeiro tornou possível a congruência
de povos tão diferentes em torno de objetivos comuns que levaram à formação do II Reich. Esse espírito da linguagem
nasceu com a Bíblia de Lutero, que trouxe simultaneamente uma contribuição
incomensurável para as transformações que levariam à formação da Alemanha bem
como para a transformação que abalaria o mundo ocidental – a Reforma
Protestante[24].
Reeditando o livro de Staden, reescrito segundo os interesses de sua época,
Avé-Lallemant contribui para a formação dessa comunidade imaginária germânica
composta por um mártir – luterano, obviamente: Hans Staden.
Tanto é verdade que Deus existe quanto é verdade que
Hans Staden foi salvo pela intervenção direta de Deus das mãos dos horrorosos
selvagens brasileiros cujos descendentes eu também conheci em sua horrenda
brutalidade.
Assim, uma publicação desse livro de Hans Staden
poderia parecer supérflua, mas não é nada supérflua. Por um lado a minha versão
comprova o amor escrupuloso que esse mártir de Hessen teve pela verdade quando
nós o seguimos passo a passo por sua estadia horrível no Brasil e então
colhemos o fruto delicioso da história de Staden, ou seja, o fruto de que o
apelo da oração a Deus realmente ajuda nas dificuldades quando toda ajuda
humana está distante e quando só a vontade imediata de Deus pode salvar. (AVÉ-LALLEMAN, 1971, p. IX)
IV. Alguns desdobramentos
Enquanto
na adaptação de Avé-Lallemant as referências ao Deus europeu são
intensificadas, mesmo na versão literária de Lobato, em que não se revela uma
intenção explícita de interferir na imagem de Staden, tais referências são
silenciadas, como vimos na análise do Primeiro Capítulo de Warhaftige Historia. É bem verdade que Lobato considera o livro de
Staden importante para a história do Brasil, como Andrä fez questão de frisar
ao citá-lo:
Não há documento mais
precioso relativo à terra brasileira em seus primórdios do que as memórias de Hans
Staden [...]. Obra de valor inestimável que deveria andar no conhecimento de
todos brasileiros [...] uma obra que até nas escolas devia entrar, pois nenhuma
daria melhor aos nossos meninos a sensação do Brasil menino. (Lobato, apud
Andrä 1960, p. 292)
Certamente os motivos apresentados
acima, bem como seu tino comercial, aliado a um projeto de construção de
brasilidade, determinaram a escolha de Warhaftige
Historia como obra de estréia de sua Companhia
Editora Nacional. Mas não queria que o livro chegasse às mãos da criança
brasileira sem antes passar pelas suas (cf. LOBATO 1959, p. 193). Assim,
considerando insuficiente a simples adaptação literária, que não lhe conferia
muita liberdade de ação, Lobato parte para a assumida adaptação, escrevendo Aventuras de Hans Staden, em que
constatamos apenas duas referências ao Deus europeu, ou, antes à religião
ocidental – católica, especificamente –, e não foi para enaltecer qualquer
prática religiosa, mas, antes, para destacar as atrocidades cometidas pelos que
se diziam cristãos (cf. LOBATO 1998, p. 30). Ou seja, a partir de um mesmo
livro, foi possível tanto criar uma adaptação em que o poder da fé e da oração
são exaltados e o protagonista é convertido em mártir do cristianismo reformado
quanto outra em que o nome de Deus é citado apenas para lembrar as atrocidades
cometidas pelos selvagens civilizados, dos quais o protagonista do livro seria
representante. A manipulação da obra de Staden a fim de servir a objetivos
diversificados é, pois, incontestável – enquanto Avé-Lallemant a utiliza para
reforçar o eurocentrismo, Lobato a utilizaria para desconstruir a visão
preconceituosa que o livro de Staden ajudou a criar a respeito do Brasil.
Ao retomar Warhaftige Historia e suas adaptações empreendidas por Avé-Lallemant
e Lobato, nosso interesse foi não apenas demonstrar as manipulações que se
podem processar sobre uma obra a favor de interesses pessoais, mas também
ressaltar a manipulação ideológica processada pelo próprio autor do texto de
partida. Neste caso, vemos que, antes mesmo que o Brasil surgisse como estado,
nação e país independente, o brasileiro já estava fadado à desmoralização
devido a uma construção performática – fruto de uma representação prévia e
baseada em interesses escusos – de sua identidade.
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ZIEBELL, Zinka (2002): Terra de Canibais. Porto Alegre.
1] O presente artigo resulta de parte da pesquisa financiada pela CAPES e DAAD e efetuada durante o doutorado sob orientação de Carmen Zink Bologhini (IEL/UNICAMP) e co-orientação de Berthold Zilly (ZEDAT/Universidade Livre de Berlim).
[2] As anotações de integrantes da frota de Pedro Álvares
Cabral denominada Relação do Piloto Anônimo, primeiro a se tornar
público, impresso em 1507, na Itália, em tradução para o italiano, e publicado
em português apenas em 1812, em Lisboa; a Carta de Pero Vaz de Caminha,
de 1500, cuja primeira publicação só se deu em 1817, no Rio de Janeiro, e a
Carta de Mestre João Farás, publicada ainda mais tardiamente, apenas em
1843, também no Rio de Janeiro. Porém, nenhum destes escritos nem os que os
seguiram ao longo do século XVI – Diário da navegação da Armada que foi à terra do
Brasil em 1530 sob a capitania-mor de Martim Afonso de Sousa, escrito por seu
irmão, Pero Lopes de Sousa e datada de 1530; Cartas ao provincial e aos padres da
Companhia de Jesus em Lisboa, escritas em 1549;
Informação das terras do Brasil e Diálogo
sobre a conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, escritos
em 1551 e 1557 (ou 1558),
respectivamente, e Quam plurimarum rerum naturalium, carta de José de
Anchieta com informações sobre etnologia e dados sobre a fauna e a flora da
colônia, datada de 1560. Há outros, ainda,
que merecem destaque, embora alguns dos autores não tenham sequer conhecido a
terra sobre a qual escreveram. São eles a História do descobrimento e
conquista da Índia pelos portugueses, vol. I, do cronista Fernão Lopes de
Castanheda, escrito em Coimbra e datado de 1551; Década I, de João de
Barros, escrito em Lisboa e datado de 1552; Crônica do felicíssimo rei D.
Manoel, de Damião de Góis, escrito em Lisboa em 1556; Tratado da terra do Brasil, datado de 1570 (data aproximada) e História da Província
Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, datado de 1576, ambos de Pero
de Magalhães de Gândavo; Tratado da
terra e gente do Brasil, de Fernão Cardim, também de 1590, e As lendas da Índia,
de Gaspar Correia, escrito à época da viagem de Cabral, mas só publicado três
séculos depois, em 1858, em Lisboa. A estes, acrescentam-se a Carta de D. Manoel, o
Venturoso, ao rei da Espanha, datada de 1501, e a correspondência dos italianos
residentes em Lisboa com seus conterrâneos no início do século XVI. O primeiro
texto impresso sobre a viagem de Cabral, um panfleto de autoria desconhecida
intitulado Copia de una littera Del Re de Portogallo mãdata al Re de Castella
del viaggio & sucesso da Índia, cuja autenticidade como tradução da Carta
de D. Manoel é contestada, data de 1505 e foi publicado em Roma e Milão.
[3]
As primeiras informações sobre as terras onde o Brasil se constituiria se
encontram em Newe Zeytung aus Presillg Landt
(Nova notícia da terra do Brasil), publicado na Alemanha em 1515 e
incorretamente creditada a Ulrich Schmiedel, outro viajante alemão. Este texto,
porém, não foi tão difundido quanto o de Staden.
[4]
O termo América, por si só, já era utilizado no século XV para nomear as terras
que viriam a constituir o Brasil. Como atualmente o termo se presta para
denominar o continente em que o Brasil se encontra – e, por vezes,
incorretamente, apenas os Estados Unidos –, utilizamos “América Portuguesa” a
fim de evitar equívocos.
[5]
Títulos dos capítulos 3 e 5 retirados, respectivamente, de STADEN 1941a, p. 27
e 31. As traduções citadas se encontram em STADEN 1941b, p. 46 e 50.
[6]
História verídica e descrição de uma terra
de selvagens, nus e cruéis comedores de seres humanos, situada no Novo Mundo da
América, desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas terras de Hessen até
os dois últimos anos, visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a conheceu
por experiência própria, e que agora traz a público com essa impressão (tradução de Karl Fouquet de sua própria atualização
do alemão da edição de Andreas
Kolbe: Warhaftige Historia und
beschreibung eyner Landtschafft der Wilden, Nacketen, Grimmigen Menschfresser
Leuthen, in der Newen welt América gelegen: vor und nach Christi geburt im Land
zu Hessen unbekant, biß uff dise 2 nechst vergangene jar, Da sie Hans Staden
von Homberg auß Hessen durch sein eygne erfassung erkant, Mit eyner vorrede D.
John Dryandri).
[7]
Mais informações sobre as traduções e edições da obra de Staden se encontram em
SANTANA, 2005, p. 193-194.
[8]
Tratamos aqui da primeira edição em português.
[9] “Es gibt auch viele
Tiger in jenem Land [...], dazu eine Löwenart, die man Leoparden nennt, was so
viel bedeutet wie graue Löwen, und noch viele andere seltsame Tiere” (1941, p.
207).
[10]
Data fornecida por Franco (cf. FRANCO, 1974, p. 23), porém Fouquet (cf.
FOUQUET, 1941, p. 220) aponta o ano de 1926, talvez em referência à segunda
edição, que, de fato, é deste ano. Franco deve estar correto, pois a ordenação
literária do livro de Staden efetuada por Lobato foi a primeira publicação de
sua Companhia Editora Nacional e esta foi fundada em 1925.
[11]
Esta hipótese se baseia no fato de que o próprio Lobato afirmou ter consultado
a tradução de Löfgren, conforme Nota 34.
[12]
Nossa análise da imagem de Staden criada por Lobato em sua adaptação de Waraftige Historia para a literatura
infantil pode ser encontrada nos Anais do
Congresso Hans Staden, ocorrido em março de 2007 em Wolfhagen, Alemanha (no
prelo) e em SANTANA, 2007.
[13]
Grafamos o termo em itálico por considerá-lo termo revelador de uma visão
eurocêntrica, uma vez que o referido local já existia e era habitado muito
antes de os europeus lá chegarem
[14]
Povoado próximo a Olinda.
[15]
Acordo assinado por Portugal e Espanha em 07 de junho de 1495 que estende as
possessões de Portugal para a área localizada até trezentas e setenta léguas a
oeste do Cabo Verde; segundo o acordo anterior, suas possessões iriam até cem
léguas deste ponto (aproximadamente 600 quilômetros).
[16]
Porto de Patos.
[17]
Pigafetta viajou pelo Pacífico entre 1519 e 1522 e, no diário enviado a Carlos
V, rei da Espanha, incluiu a descrição de uma ave de rapina que se alimentava
de coração de baleia e da “garuda”, ave fictícia capaz de transportar até um
elefante com suas garras (cf. CAMPANÁRIO 1980, p. 134-140).
[18]
Segundo Campanário, Thévet teria atiçado a mente dos crédulos europeus com a
idéia de que o unicórnio e a fênix realmente existiam (cf. CAMPANÁRIO 1980, p.
134-140).
[19]
Salvador foi acusado por Campanário de ter feito narrativas fantásticas nas
quais aparecem bugios inteligentes e sarcásticos, homens marinhos que comiam os
olhos e nariz dos pescadores e um monstro marinho de quinze palmos de
comprimento (cf. CAMPANÁRIO 1980, p. 134-140).
[20]
Todas as traduções referentes ao livro de Avé-Lallemant são de Berthold Zilly e
Vanete Dutra Santana.
[21]
Demais adaptações do livro de Staden publicadas na Alemanha: Florians von der
Fleschen Wunderbarliche/ seltzame/ abenthewrliche Schiffarten vnd Reysen
(Navegações e viagens maravilhosas, estranhas e aventureiras de Florian von der
Fleschen), sátira inspirada no livro de Staden publicada anonimamente em 1625; Curieuses und besonders Gespraeche In dem
Reiche derer Todten zwischen Christophoro Columbo, [...], und Johann Staden,
[...] (Encontro curioso e peculiar no reino dos mortos entre Cristovão
Colombo, [...], e Hans Staden, [...]), outra adaptação anônima, escrita em
forma de dialogo, no gênero de conversas entre mortos, publicada em 1729 em
Frankfurt/Leipzig; Wie Hans Stieglitz
sein Glück in der Fremde machte (De como Hans Stieglitz fez fortuna numa
terra alheia), de Ewald Gerhard Seeliger, versão satírica que quase não
apresenta relação com o livro de Staden por ambientar a história no século
XVII, publicada em 1920 em Munique; O
prisioneiro de Ubatuba, publicada em 1948 por Fouquet e uma espécie de
adaptação para a literatura infantil, também de Fouquet, publicada em 1964, e,
por último, Ubatuba. Aus dem
abenteuerlichen Leben des Brasilienfahrers Hans Staden (Ubatuba. Da vida
aventureira do viajante ao Brasil Hans Staden), uma Nacherzählung destinada a leitores de todas as faixas etárias
organizada por Kurt Salecker e publicada em 1967 em Wuppertal.
[22]
(1) Primeira viagem de Staden ao Brasil; (2) Segunda viagem de Staden e
naufrágio; (3) Permanência de Staden em Buriquioca; (4) “Da profunda miséria,
clamo a ti”; (5) Staden e Cunhambebe e (6) Retorno de Staden, além de um curto
prefácio e um longo posfácio intitulado “A fundação do Rio de Janeiro”.
[23]
Da mesma forma que vai ser importante para Lobato convencer os próprios
brasileiros das virtudes, ou não selvageria, de seus eleitos ancestrais.
[24]
Nossa análise sobre tal tema se encontra em SANTANA, 2007.
Vanete Santana-Dezmann é professora, pesquisadora e tradutora. Juntamente com John Milton, é responsável pelas Jornadas Monteiro Lobato USP-JGU. Tem pós-doutorado em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo, com estágio de pesquisa no Goethe-Museum de Düsseldorf; doutorado em Teorias de Tradução pela Universidade de Campinas e mestrado na mesma área, também pela Universidade de Campinas, onde se graduou em Letras.
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