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Se os leões fossem escultores... na visão de Monteiro Lobato

 Se os leões fossem escultores... na visão deMonteiro Lobato


Dra. Vanete Santana-Dezmann


À entrada de uma cidade, erguia-se um grupo de mármore que representava um homem vencendo na luta ao leão – muito diferente seria essa estátua se os leões fossem escultores.

Monteiro Lobato

 Introdução

A tarefa de determinar a partir de quando o brasileiro passa a existir, bem como uma língua brasileira, um Estado brasileiro e tudo mais a isso relacionado não foi o objetivo principal deste trabalho, embora tais temas o constituam. Interessou-nos, antes, chamar a atenção para as variáveis que envolvem tais determinações, a necessidade de se esclarecer os critérios utilizados ao se estabelecer uma determinada época para o nascimento do brasileiro e do Brasil e, sobretudo, desconstruir alguns dos estereótipos negativos que povoam a mente de pessoas que supervalorizam as construções discursivas transformadas em realidade pela simples repetição, destituídas de qualquer senso crítico.

Para chegar aos objetivos propostos, iniciamos pela revisitação da história do Brasil, analisando as contribuições de dois aspectos culturais fundamentais para a formação de um estado-nação, segundo definição de Timothy Brennan (BRENNAN 1992),: a língua e a literatura.

Como o livro escrito por Hans Staden, Wahraftige Historia[1] (STADEN 1557), publicado na Alemanha[2] em 1557, constituiu-se no principal disseminador de estereótipos sobre o futuro Brasil no Velho Mundo ao longo de séculos, sua análise foi imprescindível. Somam-se a este motivo, as reescrituras que Monteiro Lobato – um dos intelectuais brasileiros que mais contribuiu para a formação da literatura brasileira e fixação da língua nacional – fez do livro de Staden: Meu cativeiro entre os selvagens do Brasil (LOBATO 1925)[3] e Aventuras de Hans Staden (LOBATO 1927) [4].

Ao longo da pesquisa, outra reescritura do mesmo livro se mostrou interessante e, portanto, passou a integrar as análises: Hans Staden von Homberg bei den brasilienischen Wilden oder die Macht des Glaubens und Betens[5], de Robert Avé-Lallemant (AVÉ-LALLEMANT 1971), publicado em 1871, também na Alemanha.

 

Como começou essa história de Brasil e de brasileiro

Entre as várias hipóteses sobre a origem do nome Brasil, a que mais retrocedeu no tempo a situa no início do século XIV, a partir de quando já se podia ver na cartografia européia variações como Ilha do Brasil, Ilha de São Brandão, Brasil de São Brandão e Hy Brasil. Esta seria uma ilha flutuante que desaparecia misteriosamente do horizonte dos navegadores (BARROSO 1941, SOUSA 1999 e FERRAZ 1939). Quando os portugueses a alcançaram, em 1500, ela já se encontrava ocupada por inúmeras nações indígenas, entre as quais a tupi-guarani, que, quinze séculos antes, estabelecera-se no futuro Brasil, coincidentemente em busca da “Terra sem Males” a que sua religião aludia (CLASTRES 1975).

Embora em todos os documentos de Portugal e Espanha referentes a suas colônias na América[6] já encontremos o termo Brasil, no século XVI, não havia qualquer referente para um país ou uma pátria chamada Brasil, pois não havia referente para uma nação brasileira ou povo brasileiro. Tampouco existia uma língua brasileira.

A noção de país implica, entre vários elementos, a existência de um território delimitado geograficamente e as fronteiras do Brasil ainda não haviam sido determinadas, a não ser por uma linha reta, estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas[7], que, na prática, não funcionaria como limite, conforme se constatou posteriormente. Além disso, a noção de país se alia à de Estado, pressupondo a presença de governo, cidadãos e legislação próprios, além de forças armadas que os defendam. A noção de nação, por sua vez, pressupõe a existência de um grupo de indivíduos que compartilham os mesmos elementos culturais, sendo a língua um dos mais importantes. Daí a relação de interdependência entre nação, pátria e língua, Estado e país, pois é o estabelecimento de afetividade para com o local de nascimento e a semelhança cultural que unem os que nascem e vivem num mesmo local em torno de uma pátria. Ao mesmo tempo, não é possível definir uma determinada língua sem que se utilizem fatores de ordem geopolítica, tais como o espaço territorial de um Estado[8].

O contato com os indígenas, diretamente ou mediado por relatos, levou o homem ocidental à concepção de um estereótipo sobre os índios: ingênuos. Mas tal estereótipo, à primeira vista positivo, ao ponto de influenciar Thomas Morus em sua Utopia, de 1516, e até os iluministas franceses, cujo lema liberdade, fraternidade e igualdade teria se inspirado nos hábitos constatadas entre os bons-selvagens (FRANCO 1937), por outro lado, apresentou-se negativo o bastante para explicar o clichê Ultra equinoxialem non peceatur[9]. Este, repetido ao longo dos séculos, chega-nos, atualmente, como referência aos costumes lascivos dos índios e de seus supostos descendentes diretos – os brasileiros –, porém sua origem se encontra na doutrina dos exploradores e em suas práticas. Esses degredados ou desertores viam a colônia como um paraíso exótico, onde podiam fazer tudo o que em Portugal seria punido ou era simplesmente impossível: capturar e escravizar nativos e se apossar de terras e mulheres, no local e quantidade que desejassem. Porém, mesmo quando tomado em sua melhor acepção, a visão que os ocidentais construíram sobre o bom-selvagem da América se apresentava distorcida, resultante da interpretação errônea de observadores que desconheciam seus costumes.

A língua portuguesa, uma vez transportada para a colônia, já não seria mais aquela até então praticada na metrópole, posto que a relação espaço-tempo em que passa a ser praticada é diferente em virtude do contato com as línguas locais e com outros elementos, tais como animais e plantas, até então desconhecidos pelos portugueses. Porém, no início do século XIX, será possível divisar na colônia uma parcela da população que, embora descendente dos exploradores portugueses, podia se dizer brasileira, não exatamente no sentido de uma nação consciente de sua correlação com os demais integrantes da população de moradores das regiões coloniais, mas no sentido de que se sentia distinta do povo português. Ou seja, não havia ainda uma unidade nacional em torno de uma brasilidade. O que havia era oposição em relação aos portugueses e a Portugal.

Para nutrir a referida desunião em torno de uma identidade comum, entre essas pessoas havia barreiras geográficas, econômicas, sociais, raciais e culturais que as diferenciavam entre si, impedindo o desenvolvimento damicas, sociais, raciais e culturais que as diferenciavam entre si, impedindo o desenvolvimento de uma consci consciência de unidade nacional.

Com relação aos aspectos geográficos, há que se considerar que a área da América se estendia do Equador até abaixo do Trópico de Capricórnio, abrangendo regiões com clima, tipo de solo e vegetação bastante variados, o que, por menos determinista que se queira ser, é preciso reconhecer, caracterizaria modos de vida e, portanto, culturas diferentes.

Ademais, o país Brasil foi se formando aos poucos. Só para citar alguns exemplos, a conquista das terras que constituiriam o Ceará e o Maranhão ocorreu no início do século XVI; a das terras que constituiriam a Paraíba e o Rio Grande do Norte, no fim desse século e a ocupação de Minas Gerais, no início do século XVIII. Mesmo no caso de São Paulo, umas das mais antigas cidades da América, fundada em 1554, constata-se falta de expressão até a descoberta do ouro em Minas Gerais, vindo a adquirir importância com o início do cultivo do café no século XIX. De fato, até o início do século XVIII, o termo Brasil se referia apenas ao atual Nordeste.

            Quanto ao aspecto econômico, a colônia teria passado por três fases. Na primeira, que se estende de 1500 a 1600, dependia totalmente da metrópole, que lhe fornecia colonos, soldados, comerciantes, administradores e todos os produtos necessários à sua sobrevivência. Durante esse período, a população branca de Portugal era duas vezes maior que a da colônia. No ápice da fase de transição, a segunda, em 1700, a situação começa a se inverter e durante a terceira fase, por volta de 1800, a colônia já havia se tornado mais rica que a metrópole; sua população, contabilizando apenas os escravos, suplantava o total de habitantes de Portugal e sua extensão territorial, mais de oito milhões de quilômetros quadrados, nem se comparava à pequenês do país que a governava – os noventa mil quilômetros quadrados de Portugal. Logo, é apenas no século XIX que o Brasil reúne as condições econômicas necessárias para se impor, a despeito das retaliações sofridas por parte de Portugal ao longo de séculos (HOLANDA 1963).

Quanto às distinções raciais, além das diferenças entre os próprios portugueses que iniciaram a exploração, oriundos de diversas regiões de Portugal – o que implica relativas diferenças lingüísticas, culturais e raciais –, houve uma série de invasões de holandeses e franceses, que deixaram alguns descendentes em partes específicas da colônia; a captação de negros de diferentes nações africanas – caracterizados por todas as demais diferenças que isso pressupõe – e o contato com os nativos de diversas nações indígenas – que também apresentavam diferenças entre si. Devido à miscigenação em variados graus entre europeus brancos e mestiços (com mouros, por exemplo), nativos indígenas e africanos negros, não se pode esperar homogeneidade racial capaz de fazer com que os naturais da América se identificassem entre si como pertencentes a uma mesma raça.

No âmbito sócio-econômico, a diferença básica flagrada no início do século XIX era a separação entre uma minoria abastada e educada segundo os padrões ocidentais e uma maioria pobre e ignorante dos conhecimentos considerados necessários a uma boa formação cultural pelos padrões europeus.

            Dos descendentes dos primeiros portugueses, até o século XVIII, pode-se afirmar que tinham Portugal como verdadeiro domicílio. Apenas os colonos do interior, com o tempo, passaram a valorizar a terra que habitavam (cf. HOLANDA 1963, p. 64-65). O resultado das diferenças entre os que mantinham os olhos em Portugal e os que tinham os pés fixos na colônia se manifestava nas lutas internas. Houve, também, tentativas localizadas e restritas a certos grupos de tornarem sua região independente de Portugal, sobretudo a partir da descoberta de ouro e pedras preciosas nas Minas Gerais, pois aqueles que pretendiam criar raízes na América questionavam a evasão das riquezas a ela pertencentes. Portanto, foi antes o interesse econômico que o sentimento patriótico que incrementou as revoltas contra o domínio português e nunca houve em toda a história da América (portuguesa) uma revolta que tencionasse a independência do território como um todo.

Caberá, pois, a oriundos das elites locais – parcial ou totalmente europeizadas – os primeiros esforços no sentido de construção de uma brasilidade, ainda que artificial, que dará a base para a independência política e econômica em relação a Portugal.

O primeiro apoio legal à construção da brasilidade se dá justamente com a fixação da língua portuguesa como língua oficial da colônia – o Édito dos Índios, assinado pelo Marquês de Pombal em 1775, proibindo o uso da Língua Geral[10], vai ao encontro de suas aspirações. Além disso, o incremento da população portuguesa recém chegada e do tráfico de negros contribuiu indiretamente para a decadência da língua geral, pois o português passaria a ser a língua franca também para os africanos residentes na América (FLORENTINO 1977, REIS e GOMES 1977, ALENCASTRO 2001, FREYRE 1963, GORENDER 1999 e VERGER 1980).

Enquanto Estado, o Brasil estava em gestação, pois ainda era dependente das decisões da Coroa Portuguesa. Enquanto nação, pode-se dizer que também permanecia em gestação. Como esta dupla gestação – de nação e Estado – depende, também, para sua materialização, da construção de unidade lingüística, de um saber sobre essa língua e de meios para disseminá-la, tais como instituições de ensino e currículos, a gramatização da língua e criação de uma literatura nacional se tornaram imprescindíveis.

Nesse contexto, gramatizar o português falado in loco representava mais que uma atitude restrita ao campo do saber; tratava-se de uma atitude política. Assim, podemos fixar em 1835, quando da publicação do Compêndio da gramática da língua nacional, de Antônio Álvares Pereira Coruja, o reconhecimento de características próprias – e esforço no sentido de demarcá-las – a uma língua brasileira e, por extensão, de um povo que a fala. Mas a gramatização do Português (brasileiro), por outro lado, criou o efeito imaginário de que no Brasil não se fala corretamente (ao se tomar Portugal como parâmetro). Daí, talvez, uma das raízes de um complexo de inferioridade que levaria os brasileiros a continuar vendo o mundo a partir do ponto de vista eurocêntrico – o qual os diminui, obviamente –, não reconhecendo suas características culturais como diferentes, não necessariamente inferiores, em relação às do centro. O sujeito brasileiro, macerado pelo parâmetro europeu, aprende, dentro de um sistema também europeu – que prega que o que tem valor, o que é bom e correto, é o que vem do centro –, é, pois, levado a se depreciar e a depreciar os elementos nativos e os demais oriundos de culturas não ocidentais. A insistência no silenciamento de parte de seus constituintes – o indígena e o negro – e a diferenciação com relação ao europeu fazem com que o sujeito nacional já nasça marcado pelo complexo de inferioridade.

As grandes transformações geradas pela fixação da corte no Rio de Janeiro (1808), elevação do Brasil à categoria de Reino Unido ao de Portugal (1815) e a independência política (1822) exigiam também a criação desse país chamado Brasil, e, consoante à gramatização da língua brasileira, como comprovação de sua realidade material, no âmbito literário, os esforços se concentrariam na produção de antologias, também com o objetivo de demonstrar a existência material dessa literatura, pois só um povo com língua e literatura própria, governo e forças armadas, história e fronteiras geográficas definidas pode reivindicar o status de país e Estado independente – e a intelligentsia local se esforçou no sentido de construir esses elementos. A esta intelligentsia, que se empenhou em construir um Brasil, pode-se chamar brasileira, a despeito de sua origem, formação e razões que a movia, mas considerando tão somente os resultados que objetivava.

Dessa forma, começa a invenção da literatura brasileira, tendo como objetivo final a invenção do próprio Brasil. Para tanto, várias distorções foram levadas a efeito. Por exemplo, é neste contexto que a Inconfidência Mineira passa a ser apresentada como movimento de independência nacional, mais precisamente por meio do trabalho de recuperação histórica empreendido por João Manuel Pereira da Silva em sua antologia Parnaso Brasileiro (1843-1845). Também é neste contexto que se cria a concepção de que o índio seria o brasileiro autêntico, sendo para nós o que os godos foram para os alemães. Assim, a função do índio romântico extrapolou o campo literário ao possibilitar a idealização de um passado nobre e original para o brasileiro e contribuir para o sentimento de união nacional, enquanto elemento comum a todas as regiões.

Além disso, as teorias defensoras da superioridade da raça ariana, tão populares durante o século XIX, contribuíram para que o indígena fosse escolhido como o elemento mais característico da raça mista brasileira, porquanto, se não era branco, também não era negro. Esse antepassado mítico, lisonjeado pelas qualidades comumente atribuídas ao cavaleiro medieval, ao qual fora identificado, foi responsabilizado pelo tom mais escuro da pele da maioria dos brasileiros.

Da mesma forma que os índios foram supervalorizados, seu habitat natural também o foi. É assim que as florestas, os rios e a natureza em geral, bem como a variedade de formas de vida animal e vegetal, ocupam lugar especial na nascente literatura brasileira, que não podia evocar uma tradição cultural milenar, como o fazia a literatura européia.

O Brasil de belas Iracemas – metáfora de suas terras, florestas, minérios – prontas para ser defloradas por europeus inebriados de desejo, deslumbrados por sua exuberância e volúpia, esse Brasil de nobres Jucas-Piramas, dispostos a morrer em nome de sua honra, seria, pois, apenas mais uma construção imaginária que nada tinha de originalidade. Tanto a “certidão de nascimento do Brasil”, a Carta de Pero Vaz de Caminha, quanto a obra mais famosa que levou à Europa o conhecimento dessa parte do mundo e serviu como matriz para a criação do imaginário europeu sobre o Brasil, a Carta de Pero Vaz de Caminha, e Warhaftig Historia, o best-seller de Staden, versam apenas sobre índios e a exuberância da natureza.

O sucesso da obra de Staden se deveu a vários motivos, entre os quais destacamos sua mensagem religiosa, o interesse de outros reinos pela América (razão pela qual o rei de Portugal proibiu em sua jurisdição publicações sobre a colônia) e seu título completo, bastante sensacionalista[11].

 

O Brasil na pena dos alemães

Staden era um jovem de vinte e poucos anos quando resolveu conhecer as Índias Orientais; seria sua primeira viagem ao exterior. Isto foi em 1547. Como, ao chegar em Portugal, todas os navios com aquele destino já haviam partido, engajou-se como artilheiro em um navio que ia para a colônia portuguesa das Índias Ocidentais. A aventura, porém, não durou muito – só o tempo de ir até Olinda, onde entregou alguns prisioneiros e mercadorias para abastecer os colonos e combateu alguns dias contra os índios caetés, e retornar para Lisboa, onde chegou em outubro de 1549.

Sua segunda viagem começou na Espanha, em abril de 1550, com destino à colônia espanhola, a serviço de sua metrópole. Após diversas aventuras, que incluem o naufrágio de um dos navios da expedição, Staden e alguns outros tripulantes acabaram aportando em Itanhaém. Ele seguiu para Bertioga, onde acabou empregado como artilheiro do Forte de São Felipe, que ficava na Ilha de Santo Amaro, para defender os portugueses.

Segundo afirma em Wahraftig Hitoria, ninguém se arriscava a trabalhar lá, pois todos temiam os constantes ataques dos tupinambás, de onde se presume que Staden era muito corajoso, pois contava com o auxílio de apenas um carijó e dois portugueses e, mesmo assim, passaram-se mais de três anos até que fosse capturado (provavelmente no fim de 1553 ou início de 1554). Debalde os portugueses e seus aliados, ou tupiniquins, tentaram resgatá-lo. Ele foi levado para Ubatuba. Ainda de acordo com o personagem-narrador, passara-se por francês para não ser tratado como inimigo pelos tupinambás, que, lembremos, eram seus aliados. Isto o manteve fora de perigo por algum tempo. Staden foi poupado, portanto, não graças à sua coragem e à intervenção direta do Deus dos luteranos, mas, antes, graças à sua capacidade de mentir e à sua covardia, cuja demonstração constante ao longo dos nove meses em que esteve prisioneiro deve ter levado à depreciação de seu valor pelos índios, que, provavelmente, já não se disporiam a se alimentar com sua carne – impregnada com características morais indesejáveis. A despeito disso, ao longo dos séculos, não faltaram enaltecimentos às supostas religiosidade e ousadia, atribuída antes à coragem – que não tinha – que à ignorância, que lhe sobrava.

Na Alemanha, não se limitaram a reeditá-lo, criando-se várias adaptações, dentre as quais nos chamou a atenção Hans Staden von Homberg bei den brasilienischen Wilden oder die Macht des Glaubens und Betens, publicada em 1871 por Robert Avé-Lallemant, outro alemão que estivera no Brasil pela primeira vez também aos vinte poucos anos, em 1836, e em 1957 retornou, percorrendo o território de norte a sul e escrevendo sobre as regiões por onde passou. Dentre suas obras, a mais desconhecida e difícil de se encontrar é a referida adaptação.

A época em que Avé-Lallemant esteve no Brasil foi uma das mais efervescentes – foi justamente o período entre a proclamação da independência (1822) e a adoção do regime republicano (1889). Quase tudo ainda estava por ser estabelecido – a língua, o cânon literário nacional, as fronteiras geográficas, o regime político –, enquanto uma insipiente intelligentisia brasileira se debatia em busca da identidade nacional e a recém-constituída elite reclamava, insatisfeita, mais poder.

No mesmo período, a Alemanha, após a desintegração do Sacro Império Romano de Nação Germânica (1806) e as guerras civis entre territórios germânicos inspiradas pela idéias liberais vindas da França, encontrava-se mergulhada em uma ditadura que só teria fim em 1850, com o processo de industrialização.

Restituída a liberdade de expressão e fortalecida a burguesia – também conseqüência da industrialização –, quando a situação parecia se acomodar com a Prússia no comando dos territórios germânicos e quando Avé-Lallemant já havia retornado de sua segunda viagem ao Brasil, todos são arrastados a uma nova guerra contra a França, ao fim da qual a Alemanha tem apenas uma vitória, mas bastante significativa: a unificação da maioria dos territórios em torno do II Reich.

Como a Guerra Franco-Prussiana se estendeu entre 1870 a 1871, seu fim e a unificação parcial alemã coincidem com o ano da publicação da adaptação de Avé-Lallemant. Nesta adaptação, o livro de Staden foi condensado em seis capítulos, além de um curto prefácio e um longo posfácio nos quais o protagonista é convertido em mártir do cristianismo ao ser comparado às “ersten Blutzeugen[12] (cf. AVÉ-LALLEMANT 1871, p. 102). No interior do livro, ao narrar a chegada de Staden à tribo dos tupinambás, Avé-Lallemant o compara ao próprio Jesus, restando aos índios a posição de judeus infames. Em meio à narração desses fatos, como que para dar maior credibilidade a suas palavras, Avé-Lallemant afirma que o que aqueles índios fizeram foi uma demonstração de seus costumes selvagens, conservados ainda no fim do século XIX: “eles apresentaram totalmente o quadro ou a imagem canibalesca de sua animalidade, na qual até hoje em dia os botocudos e outras tribos brasileiras vivem, matando com socos os seus inimigos, assando-os e deglutindo-os mal-passados.” (AVÉ-LALLEMANT 1871, p. 56).

O próprio título escolhido para o capítulo no qual essa seqüência de ações se passa alude à sensação de tristeza e desespero que ele procura imprimir em seu Staden: “Aus tiefer Hoth schrei ich zu dir”[13], primeiro versículo do Salmo 130, conhecido como “De profundis”[14], reproduz a lamentação de Davi pela morte de seu filho Absalão (cf. DAVI 1987, p. 676).

Apresentar um Staden desesperado e desgraçado era importante porque, quanto pior fosse sua situação, maior o crédito de seu Deus pelo socorro que lhe prestasse, demonstrando, assim, seu poder. É por isto que Avé-Lallemant ressalta os perigos aos quais Staden esteve exposto, mesmo que, para isso, precisasse criar ou reafirmar narrações inverossímeis como a que se dá quando, logo após ter sido capturado, Staden é objeto de uma disputa entre os índios de diferentes tribos. Diante do impasse, um dos índios teria proposto que o dividissem ali mesmo, para que cada qual tivesse sua parte – mesmo à época de Avé-Lallemant, graças inclusive às informações de Staden, já se sabia que o ritual canibalesco durava vários meses e que deveria chegar ao fim em uma época específica, sendo, pois, absurda a idéia de que se pudesse retalhar Staden logo após sua captura, antes mesmo que tivesse sido apresentado à tribo. Porém, após a narração desse fato, Avé-Lallemant pôde apresentar Staden como um homem realmente desgraçado, ao qual apenas a intervenção divina poderia salvar (cf. AVÉ-LALLEMANT 1871, p. 51).

A transformação de Staden em testemunha de sangue do cristianismo e na própria imagem de Cristo na Terra se deve ao contexto em que a adaptação de Avé-Lallemant foi publicada e ao objetivo a que parece se destinar.

À Europa Renascentista – e à Reformista também – era útil a construção de um imaginário sobre o Brasil, ou, antes, de um Brasil imaginário, demonizado, que resultasse na construção de uma nova identidade para si própria. Criando o conceito de selvagem antropófago – o caraíba, o canibal –, transportado para as terras onde o Brasil viria a se constituir, o europeu pôde, por oposição, construir para si a imagem de bom e civilizado, a despeito das barbáries praticas pelo Império Romano e pela Inquisição – apenas para citar o passado então recente da Europa.

Na segunda metade do século XIX, época em que Johann Wolfgang von Goethe e os demais políticos e homens de letras de sua época se esforçam para construir a Deutschheit[15], interessava ao II Reich colocar em relevo a fé protestante, uma vez que a Alemanha fora o berço do protestantismo. Qual a maior contribuição da Alemanha para o mundo ocidental senão a Reforma Protestante? A esta Alemanha, recém-constituída, recém-unificada, interessava propalar a importância da fé cristã reformada. Para tanto, era preciso lembrar os próprios alemães de sua importância no plano mundial[16].

Que passado glorioso poderia despertar um saudosismo histórico capaz de levar diferentes nações a se conglomerar em torno de uma única pátria senão uma representação performática, uma construção artificial? Só por meio de um imaginário coletivo seria possível criar um sentimento de comunidade entre povos tão diversos (prussianos, saxões, bávaros etc.) que serviriam de base para a construção de uma nação alemã. Aliás, não é sem razão que a unificação alemã se inicia pela unificação – sempre relativa – lingüística, na época de Martin Luther. Foi o espírito da linguagem que primeiro tornou possível a congruência de povos tão diferentes entre si como os que hoje constituem o povo alemão em torno de objetivos comuns, que levaram à formação do II Reich. Esse espírito da linguagem nasceu com a Bíblia de Lutero, que trouxe simultaneamente uma contribuição incomensurável para as transformações que levariam à formação da Alemanha bem como para a transformação que abalaria o mundo ocidental – a Reforma Protestante. Reeditando o livro de Staden, reescrito segundo os interesses de sua época, Avé-Lallemant contribui decisivamente para a formação dessa comunidade germânica imaginária oferecendo-lhe um mártir – luterano, obviamente: Hans Staden.

De qualquer forma, o livro de Staden mereceu destaque por séculos, chegando a ser considerado principal fonte etnográfica sobre a América. Dado o valor científico que atribui à obra de Staden, Helmut Andrä (ANDRÄ 1960) , por exemplo, tenta nos convencer de que a imagem do rude aventureiro (palavras suas) desaparece diante do resultado de seu trabalho, dando lugar a um homem de espírito elevado e dedicado a registrar exclusivamente a verdade. Seus registros, porém, serviram para reforçar o imaginário bastante irreal sobre o Brasil criado por Staden e pelo imaginário coletivo de sua época – de onde advêm preconceitos e estereótipos até hoje atribuídos a um país e a um povo que se quer existiam, como fazemos questão de frisar, na época em que tais relatos foram escritos.

Assim, enquanto os índios da América e, posteriormente, os brasileiros têm sido estigmatizados como não-civilizados, Staden tem sido lembrado como herói que sobreviveu ao cativeiro entre os selvagens nus e canibais e como autoridade sobre o Brasil. A escolha de Wolfhagen como domicílio após sua “heróica” fuga dos canibais a elevou ao nível de cidade histórica, cujas principais atrações são a casa onde Staden morou, o museu que lhe dedicaram e o restaurante mais antigo da cidade, que, após a morte de seu cidadão mais ilustre, mudou seu nome para Gasthaus Schiffchen e adotou como símbolo uma caravela. Homberg, a cidade onde Staden nasceu, também reclama seu quinhão de fama, oferecendo aos turistas a possibilidade de visitar a casa onde seus pais viveram.

 

Staden nas mãos de Lobato

A primeira publicação de seu livro em português data de 1892, na Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, editada no Rio de Janeiro por Tristão de Alencar Araripe (cf. FRANCO 1974, p. 19 e FERRI 1974, p. IX), baseou-se na versão francesa de Ternaux-Compans, publicada em Paris em 1837, e mereceu crítica negativa de Francisco de Assis Carvalho Franco devido à ortografia de Araripe, que classificou como originalíssima; à inacessibilidade da Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ao público leigo; aos erros de impressão e à ausência de notas explicativas (cf. FRANCO 1974, p. 23).

Assim, o livro de Staden só se tornaria conhecido no Brasil a partir da tradução de Alberto Löfgren, intitulada Hans Staden. Suas viagens e cativeiro entre os selvagens do Brasil, publicada em São Paulo, em 1900, pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e baseada na segunda edição em alemão, também editada por Kolbe no mesmo ano da edição princeps. Franco elogia o uso de uma fonte confiável e a reprodução das ilustrações (cf. FRANCO 1974, p. 23).

Além de terem sido traduzidas para o francês, as aventuras de Staden podiam ser lidas em latim e holandês já no século XVI e, posteriormente, em inglês, porém ainda antes de chegarem ao português. Ao se constatar o intervalo de quase três séculos entre a publicação alemã e a primeira tradução para o português daquela que ficou conhecida como a primeira obra sobre o Brasil, pode-se questionar a razão, ou razões, de tanta demora.

Não é por acaso que a tradução só foi empreendida após o momento em que o Brasil inicia o processo para se constituir como país e nação independentes de Portugal, ou seja, quando se pode vislumbrar uma pátria brasileira. Tal momento foi marcado pelas manifestações nacionalistas produzidas pelos românticos, abolicionistas, defensores da independência e republicanos. Como a estes e àqueles que herdaram sua ideologia provavelmente não interessava resgatar a imagem negativa que Staden apresenta de seu Brasil – uma terra de selvagens nus e canibais –, temos como conseqüência uma tradução marcada pelo emprego de expressões e construções rebuscadas e pela ausência de qualquer nota esclarecedora sobre os termos em tupi e outros que não se encaixavam à realidade local presentes no texto em alemão.

Finalmente, já dentro de um contexto e projeto nacionalistas, temos a ordenação literária de Lobato, publicada em 1925 – Meu cativeiro entre os selvagens do Brasil –, porém apenas da Primeira Parte, levando-nos novamente ao questionamento: por que ele não se dedicou à Segunda Parte? A diferença entre os temas abordados em ambas poderia ser esclarecedora: na primeira, “Die Reisen”[17], Staden trata das duas viagens que empreendeu à América, porém é na segunda, “Land und Leute”[18], que tece seus comentários sobre a terra e os nativos que os primeiros colonizadores nela encontraram. Uma resposta possível seria, então, o desinteresse em continuar reproduzindo a ideologia de Staden e passar a apresentar a sua própria, que se manifestaria explicitamente na sua reescritura das aventuras de Staden para a literatura infantil, cujo título completo é Aventuras de Hans Staden: o homem que naufragou nas costas do Brasil em 1549 e esteve oito meses prisioneiro dos índios tupinambás narradas por dona Benta aos seus netos Narizinho e Pedrinho e redigidas por Monteiro Lobato, publicada em 1927. De qualquer forma, Lobato não deixa de exprimir sua tendência ideológica, como é natural, mesmo em sua ordenação literária, conforme se pode observar em alguns exemplos do cotejo do Primeiro Capítulo de sua ordenação literária[19], da tradução de Löfgren[20] e da edição princeps[21].

Com relação à estrutura sintática, dadas as diferenças marcantes entre os idiomas português e alemão nesse aspecto, não haveria como construir o texto em português se mantendo a estrutura do alemão[22]. Nesse caso, as diferenças constatadas tanto na tradução de Löfgren quanto na ordenação de Lobato são inevitáveis. Por exemplo, uma tradução que mantivesse a mesma estrutura da frase “Ich blieb einige Zeit bei ihm, und als ich ihm erzählte, dass ich meine Heimat verlassen hätte, um nach Indien zu segeln, sagte er mir, ich sei zu spät gekommen, denn die Schiffe des Königs, die nach Indien fahren, seien schon fort.” seria quase ininteligível em português: “Eu permaneci algum tempo com ele, e quando eu lhe contei, que eu minha terra deixado havia, para até Índia zu[23] navegar, disse ele me, eu estava/era muito tarde chegado, pois os navios do rei, eles para Índia foram, eram já ausentes.”.

Partindo da hipótese de que Lobato se baseou na tradução de Löfgren para fazer sua ordenação literária[24], algumas de suas escolhas se justificariam pela influência do tradutor, cuja versão apresentada para o mesmo excerto é: “Em Lissebona alojei-me em uma hospedaria, cujo dono era alemão e se chama Leuhr, o moço, onde fiquei algum tempo. / Contei-lhe que tinha saído da minha pátria e perguntei quando esperava que houvesse expedição para a Índia. Disse-me que eu tinha demorado demais e que os navios d’El-rei, que navegavam para a Índia, já tinham saído. Pedi-lhe ...” (LÖFGREN 1930).

Comparando o texto de Löfgren e o de Lobato, em apenas dois momentos encontramos escolhas que poderiam implicar diferenças de sentido que consideraríamos relevantes neste contexto.

Para citar apenas uma, vejamos a substituição de “Contei-lhe que tinha saído de minha pátria”, do texto de Löfgren, por “Contei a Lhur a minha vida e a aventura que me levava”, no texto de Lobato. Analisando-o no conjunto, percebemos que o enunciado “Contei-lhe que tinha saído de minha pátria”, na disposição proposta por Löfgren, parece descontextualizado e não relacionado com “perguntei quando esperava que houvesse expedição para a Índia”. Não haveria entre os dois enunciados qualquer relação que se poderia supor – nem de causa e efeito, nem de explicação. Colocadas lado a lado, ligadas pelo conectivo aditivo “e”, essas sentenças parecem sugerir que Staden saiu de casa e, já que estava em Lisboa, de onde partiam navios para as Índias, poderia embarcar em algum, descompromissadamente. Logo, o Staden de Löfgren seria uma espécie de “mochileiro” do século XVI ou um andarilho; alguém que anda sem destino, indo “para onde o vento soprasse”, desapegado, desgarrado, sem objetivos.

No texto de Lobato, tal como no de Löfgren, parece não haver qualquer relação entre a estadia de Staden na hospedaria de Luhr e seu relato. Mas, diferentemente do texto de Löfgren, em que Staden conta apenas que deixara sua pátria, segundo Lobato, ele teria contado sua vida – o que parece ser muito mais que um relato – e a aventura que o levava, que tanto pode ser uma referência a seu objetivo futuro de viajar para as Índias quanto às peripécias por que já passara – ou a ambas as interpretações. Uma vez que sua vida era plena de aventuras e que se encontrava no local de onde se poderia ir para as Índias, por que não se lançar a mais essa aventura? Quer Staden tivesse se dirigido a Lisboa com a intenção de ir para as Índias, quer não, parece-nos que estava em busca de um objetivo, seu objetivo principal, a aventura. À sua pátria – o “ninho de aconchego”, onde está sua casa, família, amigos e onde as pessoas falam seu idioma –, não há qualquer referência no texto de Lobato. Também o aventureiro desapegado de Löfgren desaparece, revelando-se um Staden aventureiro, sim, porém intrépido e movido por um objetivo definido: viver muitas aventuras e as contar a quem as quisesse ouvir quando tivesse oportunidade de “contar sua vida”. Este Staden é um homem orgulhoso de si.

Quanto ao Staden da edição princeps, que provavelmente não influenciou a leitura de Lobato, desconhecedor do idioma alemão, parece-nos um jovem romântico e ingênuo que deixou sua pátria – seu “ninho de aconchego”, ao qual se liga emocionalmente – em busca de uma aventura – ir para as Índias –, mas, talvez justamente por ser jovem e ingênuo, não se preparou para essa aventura, não procurou informações nem pensou sobre as adversidades que poderia enfrentar. Talvez tenha imaginado mesmo que, a qualquer momento que chegasse ao porto de onde partiam os navios paras as Índias, haveria um prestes a partir ou, em caso contrário, logo chegaria algum.

Quanto aos acréscimos, notamos que são mais abundantes no texto de Lobato que no de Löfgren e que se prestam não só a explicar o que Lobato julga digno de explicação e a conferir certo caráter literário ao texto, mas também a demarcar posições. Como exemplo, temos a caracterização e localização de Homberg : “pequena cidade do Estado de Hessen, na Alemanha”, em lugar de “Homberg, em Hessen”, na versão de Löfgren. Ao fazer referência à Alemanha como um país com subdivisões internas, em “estados”, Lobato trás aquele aglomerado de ducados e principados independentes entre si para a dimensão de um país complexo segundo parâmetros modernos, demonstrando respeito pelo outro – talvez o mesmo respeito com que, como cidadão brasileiro que deseja alçar seu país a um patamar mais elevado no cenário internacional, deseja que o Brasil seja tratado.

Com relação às supressões, uma marca indelével das mãos de Lobato sobre o texto de Staden (edição princeps) é a supressão da referência a Deus, logo no início do primeiro capítulo do livro. Enquanto na edição princeps temos “Ich, Hans Staden aus Homberg in Hessen, nahm mir vor, wenn es Gott gefiele, Indien kennen zu lernen...”, traduzida por Löfgren como “Eu, Hans Staden, de Homberg, em Hessen, resolvi, caso Deus quisesse, visitar a Índia.”, na ordenação de Lobato não há qualquer referência a Deus: “Eu, Hans Staden, natural de Homberg, pequena cidade do Estado de Hessen, na Alemanha, em certo momento da minha vida deliberei conhecer as Índias tão famosas.”

Escrito e publicado no contexto da Reforma, o livro de Staden aparece, em certa medida, como uma obra de exaltação ao Deus ocidental cultuado pelos luteranos. É a este Deus, inclusive, que ele credita sua sobrevivência ao cativeiro e libertação, apresentando-as como milagres.

Na versão infantil, Lobato estabelece contraponto entre o Deus europeu e os Deuses dos tupinambás, chegando a ridicularizar Staden ao retratá-lo como fanático, um cristão fundamentalista. Em sua ordenação literária, porém, ele simplesmente suprime a expressão “se Deus quiser”, silenciando, assim, o caráter religioso de Staden, o que o desvincula de seu contexto histórico.

Quanto às diferenças na escolha lexical, as diferenças mais marcantes entre a postura ideológica de Lobato, Löfgren e de Staden (edição princeps), evidenciam-se no seguinte parágrafo:

 

Der kapitän dieses Schiffes, der Penteado hiess, wollte als Kauffahrer nach Brasilien segeln, besass aber ausserdem die Erlaubnis, Schiffe anzugreifen, die in der Berberei mit den Mauren handelten. Auch französische Schiffe, die in Brasilien mit den Wilden Handel trieben, durfte er erbeuten. Schliesslich sollte er für den König einige Gefangene nach Brasilien mitnehmen, die nach ihrer Verurteilung begnadigt worden waren, weil man sie in dem neuen Land ansiedeln wollte. (edição princeps)

 

O capitão desta nau chamava-se Pintiado e se destinava ao Brasil, para traficar e tinha ordens de atacar os navios que comerciavam com os mouros brancos da Barbaria. Também se achasse navios franceses em tráfico com os selvagens do Brasil, devia aprisioná-los, bem como transportar alguns criminosos sujeitos a degredo, para povoarem as novas terras.. (tradução de Löfgren)

 

O capitão desse barco chamava-se Penteado e ia para o Brasil em viagem de comércio, embora com ordem de atacar os navios que traficavam com os mouros da Berbéria. Também tinha ordem de apresar os navios franceses que encontrasse nas costas do Brasil em contato com os índios, deixando em terra, como castigo, os tripulantes portugueses que por acaso descobrisse a bordo. (ordenação de Lobato)

 

Deste parágrafo, destacamos as versões de Kolbe, Löfgren e LobatoWilden / selvagens do Brasil / índios.

Neste caso, o termo Wilden (selvagens, bravos, ferozes) utilizado na edição princeps está em consonância com selvagens, utilizado por Löfgren. A única diferença entre ambos é que este especifica de onde são os tais selvagens (do Brasil), enquanto o primeiro apenas se referem a selvagens, sem especificar de onde são, talvez por enxergar uma relação direta entre selvagens e Brasil, como se já fosse dado que apenas nesta parte do mundo houvesse selvagens, ou, talvez, por considerar o contexto suficiente para esclarecer de quais selvagens se trata. Lobato, da mesma forma, não especifica de onde são os tais índios – provavelmente pela segunda razão, uma vez que a própria recusa em usar o termo “selvagens” já aponta para uma atitude nacionalista.

Ao contrário do trabalho efetuado por Lobato em sua ordenação literária, em que sua posição parecia ainda indefinida, sua reescritura da história de Staden para o público infantil – que ele mesmo classificou como adaptação, o que lhe confere mais liberdade de ação –, Aventuras de Hans Staden revela alterações indeléveis e constantes, uma vez que Lobato a encaixa em outro contexto, de que se serve para explicitar uma ideologia agora bem definida. Assim, três séculos após o início da colonização, entre as várias histórias que conta a seus netos, D. Benta inclui as aventuras de um jovem alemão que, em meados do século XVI, naufragou no litoral do Novo Mundo e se tornou prisioneiro dos tupinambás durante aproximadamente nove meses. Porém, não só a voz de D. Benta, mas também a de outras personagens se prestam à expressão das concepções de Lobato sobre o processo de colonização e o eurocentrismo. Neste ponto, vamos nos limitar a apenas alguns exemplos, dentre os vários que encontramos.

Por exemplo, sobre o episódio que narra como a colônia Iguaraçu foi retomada dos nativos, em que se sobressai a valentia dos portugueses – 90 portugueses auxiliados por aproximadamente 30 escravos, contra oito mil índios –, D. Benta ressalta o termo avaliados e acrescenta, com a leve ironia que perpassa toda a narração: “As avaliações dos interessados em geral erram para mais. O Compadre Teodorico nosso vizinho, sempre avaliou o seu sítio em setenta alqueires. Veio o agrimensor, mediu e achou trinta...” (LOBATO 1998, p. 10).

Em outro momento, terminada a primeira viagem de Staden, continua, porém, a conversa entre as personagens de Lobato, que discutem sobre a exploração econômica do Brasil por Portugal. A conclusão apresentada por D. Benta segue sua tendência de ressaltar aspectos negativos do europeu, sobretudo, do português: “Não basta ganhar, é preciso conservar, coisa muito mais difícil. Todo o ouro que Portugal tirou do Brasil foi se passando aos poucos para os países industriosos, sobretudo para a Inglaterra, em troca dos produtos das suas fábricas. Quando os portugueses abriram os olhos, era tarde – o ouro do Brasil estava todo em mão de gente mais esperta” (LOBATO 1998, p. 13, grifo nosso).

Quanto à identidade heróica construída pelos europeus para si próprios, como se pode notar em Zwei Reisen nach Brasilien, ela continua: “a história é escrita por eles. Um pirata quando escreve a sua vida está claro que se embeleza de maneira a dar a impressão de que é um magnânimo herói.” E ironiza: “À entrada de uma certa cidade erguia-se um grupo de mármore, que representava um homem vencendo na luta ao leão. Passa um leão, contempla aquilo e diz: Muito diferente seria essa estátua se os leões fossem escultores!” (LOBATO 1998, p. 27).

Finalmente, quanto às torturas sofridas por Staden, D. Benta ressalta: “não há termo de comparação entre o modo pelo qual os índios tratavam os prisioneiros e o que era de uso na Europa. Lá a ‘civilização’ recorria a todos os suplícios, inventava as mais horrendas torturas. Assavam os pés da vítima, arrancavam-lhes as unhas, esmagavam-lhe os ossos, davam-lhe a beber chumbo derretido, queimavam-na viva em fogueira. Não há monstruosidade que em nome da lei de Deus os carrascos civilizados, em nome e por ordem dos papas e dos reis, não tenham praticado. Mesmo aqui na América o que sobretudo os espanhóis fizeram é de arrepiar as carnes. Os índios, não. Brincavam com as vítimas apenas.” (LOBATO 1998, p. 30, grifo nosso).

Como se pode inferir, Aventuras de Hans Staden se encaixaria em um projeto de construção de brasilidade que se serve alguns artifícios, entre os quais educar as crianças de tal forma que elas pudessem conhecer e se orgulhar de seu país, sem, no entanto, tornarem-se ufanistas.

De sua preocupação com a formação dos futuros cidadãos brasileiros, vem seu interesse em recontar as histórias de além-mar, desmascarando a ideologia do dominador nelas contida e sobrepondo a ela uma ideologia de caráter nacionalista. Portanto, o tipo de canibalismo que Lobato pratica ao se utilizar da obra de Staden para, a partir de seu interior, tecer críticas à ideologia eurocêntrica e expor a sua própria torna Aventuras de Hans Staden uma obra exemplar do gênero que só viria a ser produzido no fim do século XX pelos escritores pós-coloniais. Isto porque nela Lobato se apropria da produção do colonizador para dar voz ao colonizado, apresentando-o não mais como um selvagem nu, e desconstrói o estereótipo eurocêntrico do bom-europeu.

Também lhe interessava, dentro de seu projeto de construção de brasilidade, selecionar obras mais abrangentes em termos culturais, diponibilizando às crianças brasileiras – e adultos também – grande parte do cânon da literatura universal. Neste ponto, sua tática se aproxima da de Goethe, que reconhecia na presença do elemento estrangeiro os fundamentos da nascente cultura oficial alemã:

 

Independentemente de nossa produção, nós já atingimos um elevado patamar cultural (Bildung) graças à completa apropriação do que nos é estrangeiro. Logo outras nações terão que aprender alemão, pois perceberão que desse modo podem conservar em grande quantidade o aprendizado de quase todas as outras línguas. De fato, de quais línguas não temos nós os melhores trabalhos nas mais eminentes traduções? Já faz muito tempo que os alemães contribuem para a mútua mediação e reconhecimento.

Quem entende alemão se encontra no mercado onde as nações apresentam seus produtos. A força de uma língua está não em rejeitar o estrangeiro, mas em o devorar. (apud BERMAN 1992, p. 11-12)

 

 

Conclusão

Assim, ao reescrever a obra de Staden para crianças, Lobato procura criar para o Brasil aquilo que ainda lhe faltava, a despeito dos esforços anteriores, ou seja, uma imagem positiva de si por meio da valorização dos eleitos antepassados dos brasileiros (os índios). O que faltou no trabalho dos românticos brasileiros foi justamente o que Lobato fez: a valorização pautada por reflexões racionais – não-romantizadas. Neste sentido, Lobato faz pelo Brasil o que Martin Luther, Goethe e os românticos fizeram pela Alemanha, ou seja, procura criar uma língua nacional e elevar o considerado brasileiro nato, legítimo, a um patamar superior ao que ocupava na cultura universal, mas o faz de um modo diferente do tentado pelos românticos na medida em que apenas equipara os ditos selvagens ao europeu, sem tentar provar sua superioridade.

A estratégia utilizada por Lobato foi demonstrar os aspectos negativos dos europeus e a relatividade das perspectivas – só assim, raciocinando sobre o relativismo, índios e europeus podem ser equiparados: ambos têm defeitos e qualidades e ambos agem corretamente de acordo com a perspectiva que adotam. A partir do deslocamento da visão para a perspectiva da cultura periférica, Lobato alcança, pois, uma visão não-romantizada do índio. Em seu livro Aventuras de Hans Staden, o índio deixa de ser o bom-selvagem e o mau-selvagem – ambas perspectivas carregadas de preconceitos eurocêntricos –, e o branco deixa de ser o bom-europeu ao serem representados como personagens complexas, esféricas, constituídas por características contraditórias – em oposição às personagens planas, totalmente boas ou totalmente ruins. Logo, enquanto os românticos tentaram enaltecer o bom-selvagem e algumas vertentes do Movimento Modernista procuraram trazer o canibal para a cena cultural, Lobato repele o mito do bom-selvagem e tenta explicar a atitude dos canibais tomando por base a ética dentro da qual se encaixava – e a partir da qual fazia sentido –, contrapondo-a à ética dos autodenominados civilizados, e, ainda, demonstrando que a ética do homem branco não é superior á dos canibais, podendo, mesmo ser condenada pelos que se encontrassem fora de sua lógica. Neste sentido, em Aventuras de Hans Staden, Lobato toca diretamente em alguns dos pontos nevrálgicos do supostamente civilizado europeu: a carnificina que sua ganância gerou nas Américas, com a destruição de culturas em vários aspectos mais desenvolvidas que a ocidental, em referência à selvageria com que portugueses e principalmente espanhóis trataram os habitantes autóctones de suas colônias americanas (cf. LOBATO 1998, p. 27); os horrores da escravidão (cf. LOBATO 1998, p. 10) e, talvez o mais flagrante de todos os seus crimes, uma vez que foi praticado contra seus iguais, a Inquisição e seus requintados métodos de tortura (cf. LOBATO 1998, p. 30).

 

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__________. Warhaftige Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden, Nacketen, Grimmigen Menschfresser Leuthen, in der Newen welt América gelegen: vor und nach Christi geburt im Land zu Hessen unbekant, biß uff dise 2 nechst vergangene jar, Da sie Hans Staden von Homberg auß Hessen durch sein eygne erfassung erkant, Mit eyner vorrede D. John Dryandri. Biblioteca virtual de livros raros/USP.

VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia. Salvador: Corrupio, 1980.



[1] Título completo da edição princeps, de Andreas Kolbe: Warhaftige Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden, Nacketen, Grimmigen Menschfresser Leuthen, in der Newen welt América gelegen: vor und nach Christi geburt im Land zu Hessen unbekant, biß uff dise 2 nechst vergangene jar, Da sie Hans Staden von Homberg auß Hessen durch sein eygne erfassung erkant, Mit eyner vorrede D. John Dryandri; atualização do alemão da edição de Kolbe feita por Karl Fouquet: Warhaftige Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden, Nacketen, Grimmigen Menschfresser Leuthen, in der Newen welt América gelegen: vor und nach Christi geburt im Land zu Hessen unbekant, biß uff dise 2 nechst vergangene jar, Da sie Hans Staden von Homberg auß Hessen durch sein eygne erfassung erkant, Mit eyner vorrede D. John Dryandri e tradução para o português, também de Fouquet: História verídica e descrição de uma terra de selvagens, nus e cruéis comedores de seres humanos, situada no Novo Mundo da América, desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas terras de Hessen até os dois últimos anos, visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a conheceu por experiência própria, e que agora traz a público com essa impressão.

[2] A Alemanha, como a conhecemos hoje, só foi unificada no final do século XIX ou, segundo algumas referências, após a queda do Muro de Berlim. Porém, ao longo desse trabalho, utilizamos o termo Alemanha, como todo historiador, para nos referirmos a acontecimentos e pessoas que viveram nos locais que atualmente constituem o que se entende por Alemanha (cf. BOLOGNINI 2003, p. 72).

[3] A partir da segunda edição, em 1926, passa a ser apresentado como primeiro volume da série “Brasil Antigo”. Abaixo do título, aparece a inscrição “texto ordenado literariamente por Monteiro Lobato”. Traz um breve “Prefácio” de autor não especificado, que consideramos ser o próprio Lobato, esclarecendo que se baseou nas notas de Theodoro Sampaio para grafar nomes próprios e termos em tupiguarani: “Os nomes próprios e as palavras e frases em língua da terra, que Staden fixou, aparecem corrigidas de acordo com a lição do mestre doutíssimo que é Theodoro Sampaio, nas notas com que enriqueceu a tradução de Alberto Löfgren, publicada em 1900.” (LOBATO 1926, p. 4).

[4] Título completo: Aventuras de Hans Staden: o homem que naufragou nas costas do Brasil em 1549 e esteve oito meses prisioneiro dos índios tupinambás narradas por dona Benta aos seus netos Narizinho e Pedrinho e redigidas por Monteiro Lobato.

[5] Hans Staden, de Homberg, com os selvagens brasileiros ou o poder da fé e da oração (observação: esta e as demais traduções cujo tradutor não tenha sido especificado ao longo do texto nem nas Referências Bibliográficas são nossas.

[6] Lembrar que América, inicialmente, referia-se apenas à colônia portuguesa, ou seja, ao futuro Brasil, como o próprio título original do livro de Staden pode confirmar. Apenas posteriormente passou a denominar o continente todo, com as subdivisões geográficas América do Sul, América Central e América do Norte e as subdivisões culturais América Latina e América Franco-Anglicana.  

[7] Acordo assinado por Portugal e Espanha em 07 de junho de 1495 que estende as possessões de Portugal para a área localizada até trezentas e setenta léguas a oeste do Cabo Verde; segundo o acordo anterior, suas possessões iriam até cem léguas deste ponto (na época, uma légua equivalia a aproximadamente 6 quilômetros).

[8] O conceito de estado tem uma acepção essencialmente política, não incluindo necessariamente a circunstância material chamada nação, embora a unidade de uma nação possa contribuir para a coesão política do estado – qualquer acepção que se dê ao termo estado, seja de sociedade política, seja de autoridade suprema desta sociedade, o nível é sempre especificamente político. Já os conceitos de nação e pátria divergem do de estado por não conterem em si uma dimensão política e, ao mesmo tempo, convergem entre si por estarem relacionados a aspectos materiais remotos que se unem no todo social por meio dos indivíduos e do contexto que os envolve. O conceito de nação (do latim nasci: nascer) inclui as características de nascimento de um indivíduo e tudo que isto engloba – língua, hábitos e demais elementos culturais. A semelhança entre as características culturais de dois indivíduos indicam que ambos detêm uma mesma cultura, normalmente por terem nascido em um mesmo país, que lhes serve de pátria. País (do latim pagus: pago, região), por sua vez, contém apenas uma dimensão geográfica, logo, diz respeito especificamente à localização física de um estado. Já o conceito de pátria (do latim pater: pai) se refere a geração comum e semelhante e, ao mesmo tempo, sugere o local em que um determinado indivíduo nasceu. O estabelecimento de afetividade para com o local de nascimento e a semelhança cultural unem os que nascem e vivem num mesmo local (pátria) e são integrantes de uma mesma cultura (nação). A existência de uma nação ou mais nações reunidas em uma determinada pátria gera condições para a formação da sociedade política (estado), que pressupõe não apenas o assentamento de uma ou várias nações constituintes de uma pátria em uma determinada unidade territorial (país), mas, também, independência política em relação aos demais estados.

[9] Não existe pecado abaixo do Equador.

[10] Língua resultante da mistura de português com línguas indígenas, sendo estas as predominantes.

[11] Este se encontra na Nota 01.

[12] primeiras testemunhas de sangue

[13] Da profunda miséria, clamo a ti.

[14] Do fundo de minha alma

[15] germanidade

[16] Da mesma forma que vai ser importante para Lobato convencer os próprios brasileiros das virtudes, ou não selvageria, de seus eleitos ancestrais.

[17] As viagens

[18]  Terra e povo

[19] Trabalhamos com a 2a. edição, datada de 1926.

[20] Trabalhamos com a edição de 1930, que é a reedição do texto de 1900, o qual, por sua vez, teve como texto de partida a 2a edição em alemão, publicada em Marburg em 1557.

[21] Trabalhamos com a edição de 1941 da Sociedade Hans Staden de São Paulo, que teve como texto de partida a 2a edição em alemão, editada em Marburg, em 1557, por Kolbe; essa edição de 1941 traz o alemão atualizado por Fouquet, conforme Nota 01.

[22] O alemão é uma língua V2 (nas orações afirmativas, o verbo aparece sempre como segundo elemento), apresenta declinação, verbos prefixionados separáveis e todos os substantivos são escritos com inicial maiúscula, entre outras diferenças em relação à língua portuguesa.

[23] Sem tradução neste contexto.

[24] Essa hipótese se baseia no fato de que o próprio Lobato afirmou ter consultado a tradução de Löfgren, conforme Nota 03.


Vanete Santana-Dezmann é professora, pesquisadora e tradutora. Juntamente com John Milton, é responsável pelas Jornadas Monteiro Lobato USP-JGU. Tem pós-doutorado em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo, com estágio de pesquisa no Goethe-Museum de Düsseldorf; doutorado em Teorias de Tradução pela Universidade de Campinas e mestrado na mesma área, também pela Universidade de Campinas, onde se graduou em Letras.



Vanete Santana-Dezmann é professora, pesquisadora e tradutora. Juntamente com John Milton, é responsável pelas Jornadas Monteiro Lobato USP-JGU. Tem pós-doutorado em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo, com estágio de pesquisa no Goethe-Museum de Düsseldorf; doutorado em Teorias de Tradução pela Universidade de Campinas e mestrado na mesma área, também pela Universidade de Campinas, onde se graduou em Letras.



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