3.1.21

Dezembro de 2020 - 197 anos de Imigração Alemã no Brasil

Dezembro de 2020

197 anos de Imigração Alemã no Brasil


                                                                                            Dra. Vanete Santana-Dezmann


Estima-se que, atualmente, haja cerca de cinco milhões de descendentes de alemães vivendo no Brasil. Como esta história começou e no que resultou é o que saberemos a seguir.

 

Em 25 de julho de 1824, dois anos após a Independência do Brasil, portanto, desembarcaram na Feitoria do Linho Cânhamo, no Rio Grande do Sul, 39 pessoas oriundas de Hamburgo, uma cidade-estado independente que, desde o Congresso de Viena (1815), fazia parte da Confederação Germânica. Ali acabaram por fundar São Leopoldo, que ficaria oficialmente conhecida como a “primeira colônia alemã no Brasil”. A data do desembarque destes primeiros colonos foi escolhida para homenagear todos os imigrantes de origem germânica dos estados que viriam a integrar a Alemanha quando de sua fundação (1872), bem como seus descendentes, e se tornou conhecida como o “Dia da Imigração Alemã”. Aproximadamente cinco anos mais tarde, em 29 de junho de 1829, os primeiros imigrantes de origem germânica do Estado de São Paulo se instalaram no bairro Santo Amaro, na capital. Há, porém, registros de que já havia imigrantes de origem germânica de estados que futuramente integrariam a Alemanha em outras partes do Brasil, tal como uma pequena colônia estabelecida no sul da Bahia em 1818.

As marcas da imigração germânica são visíveis, sobretudo, na Região Sul, praticamente não colonizada até o século XIX. A já citada São Leopoldo se constituiu em célula-mãe da colonização germânica, onde se desenvolveu não apenas a atividade agrícola, mas também a industrial, devido à presença de artesãos entre os imigrantes. Os outros dois núcleos iniciais da colonização foram Rio Negro, que acabou não se desenvolvendo, e São Pedro de Alcântara, hoje um próspero povoado. Em 1859, a imigração germânica para o Sul foi interrompida, mas as muitas outras colônias já instaladas continuaram a se expandir. O desenvolvimento da região se acelerou a partir de 1889, com a chegada de imigrantes de outras regiões da Europa, mas a base fora plantada pelos imigrantes germânicos. Do Rio Grande do Sul, muitos se dirigiram para o norte, colonizando Santa Catarina, onde fundaram Joinville, Blumenau e Brusque (entre 1850 e 1860), e o interior do Paraná.

Retornando ao início da segunda onda de imigração germânica, ocorrida a partir de 1845, verifica-se que seu principal destino foram as fazendas de plantação de café no estado de São Paulo. Mas estes imigrantes em breve se dedicariam a funções distintas do cultivo da terra – eles seriam os responsáveis, por exemplo, pela popularização das construções em alvenaria à medida que multiplicaram as olarias. Contribuiu para esta área, notadamente, o engenheiro Hermann Bastide (1816-1881). Com seu diploma da Escola Politécnica de Berlim, em 1848 ele chegou ao porto de Santos contratado para atuar na Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, na cidade de Sorocaba. Três anos após o desembarque, tornou-se coordenador da seção de obras públicas da cidade de São Paulo e arredores, encarregando-se da instalação de encanamento de água e de chafarizes, calçamento das ruas e manutenção e construção de pontes. Também foi responsável pela construção de um hospital para doentes mentais na ladeira da Tabatinguera, na Várzea do Carmo. Sua marca registrada foi a utilização da mais avançada tecnologia então disponível na Europa.

O primeiro cemitério da cidade, concebido a partir da necessidade de um local para enterrar judeus e ateus, foi obra de outro engenheiro germânico. Carl Friedrich Rath (1802-1876) aplicou seu conhecimento técnico para encontrar o local ideal para a instalação de uma obra como tal. Em 1858, acabou escolhendo o Alto da Consolação devido ao regime de ventos do local. Determinou, ainda, que o cemitério fosse murado com tijolos, a fim de melhor isolá-lo. Até então, as pessoas eram enterradas em igrejas. Também o Complexo Cantareira, responsável pelo abastecimento de água da maior parte da cidade de São Paulo inda hoje, deve-se à obra de um engenheiro germânico – Karl Bresser (1804-1856), que chegou a São Paulo em 1838 para gerenciar a construção de estradas.

Mais do que contribuir para a ocupação e cultivo da terra e para a transferência de tecnologia, porém, os imigrantes germânicos e seus descendentes atuaram de modo decisivo em áreas fundamentais para a constituição de nosso estado-nação. O zoólogo Johann Baptist von Spix (1781-1826) e o botânico Carl Friedrich von Martius (1794-1868), por exemplo, destacaram-se na catalogação de espécimes de nossa fauna e flora. Pelo mapeamento e descrição de nosso território, destacaram-se o expedicionário Georg Heinrich von Langsdorff (1774-1852) e o médico Robert Avé-Lallemant (1812-1884), que também foi Secretário Municipal da Saúde no Rio de Janeiro e fundados da Santa Casa da Misericórdia local. Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), filho de imigrante germânico, é considerado o fundador da História Brasileira com a publicação de sua História Geral do Brasil (1854-1857), enquanto Theodor Koch-Grünberg foi responsável pelo registro de histórias orais sobre mitos de origem indígena, dentre os quais se encontra o mito de Macunaíma (publicado em seu livro Mitos e Lendas dos Índios Taulipangue e Arekuná), na qual Mário de Andrade se basearia para escrever seu Macunaíma, considerada uma das obras mais importantes da Literatura Brasileira.

É inegável, portanto, que os viajantes e imigrantes germânicos tiveram papel marcante em nossa história.

 

Bibliografia

Andrade, Rodrigo de Oliveira. Engenharia germânica - Alemães impulsionaram desenvolvimento da infraestrutura urbana de São Paulo no século XIX. http://revistapesquisa.fapesp.br/2018/07/11/engenharia-germanica/?fbclid=IwAR2z5d3ik2tp3dwMBUJWS46gqEFR5VDX6SBA60IJeCsyR60XJII0jWPXNsA

Baldin, Adriane Acosta. Tijolo sobre tijolo: Os alemães que construíram São Paulo. Curitiba: Editora Prismas, 2014.

  

Vanete Santana-Dezmann é professora, pesquisadora e tradutora. Juntamente com John Milton, é responsável pelas Jornadas Monteiro Lobato USP-JGU. Tem pós-doutorado em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo, com estágio de pesquisa no Goethe-Museum de Düsseldorf; doutorado em Teorias de Tradução pela Universidade de Campinas e mestrado na mesma área, também pela Universidade de Campinas, onde se graduou em Letras.


 

 



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