Dezembro de 2020
197 anos de Imigração Alemã no Brasil
Dra. Vanete Santana-Dezmann
Estima-se que,
atualmente, haja cerca de cinco milhões de descendentes de alemães vivendo no
Brasil. Como esta história começou e no que resultou é o que saberemos a
seguir.
Em 25 de julho de 1824,
dois anos após a Independência do Brasil, portanto, desembarcaram na Feitoria
do Linho Cânhamo, no Rio Grande do Sul, 39 pessoas oriundas de Hamburgo, uma
cidade-estado independente que, desde o Congresso de Viena (1815), fazia parte
da Confederação Germânica. Ali acabaram por fundar São Leopoldo, que ficaria
oficialmente conhecida como a “primeira colônia alemã no Brasil”. A data do
desembarque destes primeiros colonos foi escolhida para homenagear todos os
imigrantes de origem germânica dos estados que viriam a integrar a Alemanha
quando de sua fundação (1872), bem como seus descendentes, e se tornou conhecida
como o “Dia da Imigração Alemã”. Aproximadamente cinco anos mais tarde, em 29
de junho de 1829, os primeiros imigrantes de origem germânica do Estado de São
Paulo se instalaram no bairro Santo Amaro, na capital. Há, porém, registros de que
já havia imigrantes de origem germânica de estados que futuramente integrariam a
Alemanha em outras partes do Brasil, tal como uma pequena colônia estabelecida no
sul da Bahia em 1818.
As marcas da imigração
germânica são visíveis, sobretudo, na Região Sul, praticamente não colonizada
até o século XIX. A já citada São Leopoldo se constituiu em célula-mãe da
colonização germânica, onde se desenvolveu não apenas a atividade agrícola, mas
também a industrial, devido à presença de artesãos entre os imigrantes. Os
outros dois núcleos iniciais da colonização foram Rio Negro, que acabou não se
desenvolvendo, e São Pedro de Alcântara, hoje um próspero povoado. Em 1859, a
imigração germânica para o Sul foi interrompida, mas as muitas outras colônias já
instaladas continuaram a se expandir. O desenvolvimento da região se acelerou a
partir de 1889, com a chegada de imigrantes de outras regiões da Europa, mas a
base fora plantada pelos imigrantes germânicos. Do Rio Grande do Sul, muitos se
dirigiram para o norte, colonizando Santa Catarina, onde fundaram Joinville,
Blumenau e Brusque (entre 1850 e 1860), e o interior do Paraná.
Retornando ao início da
segunda onda de imigração germânica, ocorrida a partir de 1845, verifica-se que
seu principal destino foram as fazendas de plantação de café no estado de São
Paulo. Mas estes imigrantes em breve se dedicariam a funções distintas do
cultivo da terra – eles seriam os responsáveis, por exemplo, pela popularização
das construções em alvenaria à medida que multiplicaram as olarias. Contribuiu para
esta área, notadamente, o engenheiro Hermann Bastide (1816-1881). Com seu
diploma da Escola Politécnica de Berlim, em 1848 ele chegou ao porto de Santos contratado
para atuar na Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, na cidade de Sorocaba.
Três anos após o desembarque, tornou-se coordenador da seção de obras públicas
da cidade de São Paulo e arredores, encarregando-se da instalação de
encanamento de água e de chafarizes, calçamento das ruas e manutenção e construção
de pontes. Também foi responsável pela construção de um hospital para doentes
mentais na ladeira da Tabatinguera, na Várzea do Carmo. Sua marca registrada
foi a utilização da mais avançada tecnologia então disponível na Europa.
O primeiro cemitério da
cidade, concebido a partir da necessidade de um local para enterrar judeus e
ateus, foi obra de outro engenheiro germânico. Carl Friedrich Rath (1802-1876)
aplicou seu conhecimento técnico para encontrar o local ideal para a instalação
de uma obra como tal. Em 1858, acabou escolhendo o Alto da Consolação devido ao
regime de ventos do local. Determinou, ainda, que o cemitério fosse murado com
tijolos, a fim de melhor isolá-lo. Até então, as pessoas eram enterradas em igrejas.
Também o Complexo Cantareira, responsável pelo abastecimento de água da maior
parte da cidade de São Paulo inda hoje, deve-se à obra de um engenheiro
germânico – Karl Bresser (1804-1856), que chegou a São Paulo em 1838 para
gerenciar a construção de estradas.
Mais do que contribuir
para a ocupação e cultivo da terra e para a transferência de tecnologia, porém,
os imigrantes germânicos e seus descendentes atuaram de modo decisivo em áreas
fundamentais para a constituição de nosso estado-nação. O zoólogo Johann
Baptist von Spix (1781-1826) e o botânico Carl Friedrich von Martius
(1794-1868), por exemplo, destacaram-se na catalogação de espécimes de nossa fauna
e flora. Pelo mapeamento e descrição de nosso território, destacaram-se o
expedicionário Georg Heinrich von Langsdorff (1774-1852) e o médico Robert
Avé-Lallemant (1812-1884), que também foi Secretário Municipal da Saúde no Rio
de Janeiro e fundados da Santa Casa da Misericórdia local. Francisco Adolfo de
Varnhagen (1816-1878), filho de imigrante germânico, é considerado o fundador
da História Brasileira com a publicação de sua História Geral do Brasil (1854-1857), enquanto Theodor Koch-Grünberg
foi responsável pelo registro de histórias orais sobre mitos de origem
indígena, dentre os quais se encontra o mito de Macunaíma (publicado em seu
livro Mitos e Lendas dos Índios
Taulipangue e Arekuná), na qual Mário de Andrade se basearia para escrever
seu Macunaíma, considerada uma das
obras mais importantes da Literatura Brasileira.
É inegável, portanto,
que os viajantes e imigrantes germânicos tiveram papel marcante em nossa
história.
Bibliografia
Andrade, Rodrigo de Oliveira. Engenharia
germânica - Alemães impulsionaram desenvolvimento da infraestrutura urbana de
São Paulo no século XIX. http://revistapesquisa.fapesp.br/2018/07/11/engenharia-germanica/?fbclid=IwAR2z5d3ik2tp3dwMBUJWS46gqEFR5VDX6SBA60IJeCsyR60XJII0jWPXNsA
Baldin, Adriane Acosta. Tijolo sobre tijolo: Os alemães que
construíram São Paulo. Curitiba: Editora Prismas, 2014.
Vanete Santana-Dezmann é professora, pesquisadora e tradutora. Juntamente com John Milton, é responsável pelas Jornadas Monteiro Lobato USP-JGU. Tem pós-doutorado em Estudos da Tradução pela Universidade de São Paulo, com estágio de pesquisa no Goethe-Museum de Düsseldorf; doutorado em Teorias de Tradução pela Universidade de Campinas e mestrado na mesma área, também pela Universidade de Campinas, onde se graduou em Letras.
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